EUA fazem xeque-mate à Rússia com a ajuda de Kasparov

Estados Unidos conquistaram Olimpíadas, 40 anos depois, com apoio da lenda russa e duas naturalizações envoltas em polémica
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Não é propriamente um xeque-mate de Garry Kasparov a Vladimir Putin, no tabuleiro da política, mas pode ser visto como um episódio em que a velha lenda do xadrez deixa em xeque a Rússia (e o seu presidente), no terreno mais politizado do desporto. Com a ajuda de Kasparov, os EUA voltaram ao trono do xadrez: ganharam as Olimpíadas da modalidade, 40 anos depois da última conquista (1976, numa edição marcada por muitas ausências por motivos políticos).

O russo Kasparov, antigo campeão mundial de xadrez e opositor político do presidente russo, é - na verdade - apenas um dos nomes estrangeiros que estão por trás da revolução que tornou os EUA campeões olímpicos. Com o contributo de Rex Sinquefield, milionário norte-americano apaixonado pelo desporto-ciência, os Estados Unidos formaram uma equipa-maravilha com jogadores originários da Itália (Fabiano Caruana) e das Filipinas (Wesley So). A recompensa surgiu anteontem, na conclusão da 42.ª edição das Olimpíadas, realizadas em Baku (capital do Azerbaijão). Os EUA venceram o evento, somando 20 pontos (nove vitórias e dois empates) e ficando à frente da Ucrânia (20, mas com desvantagem no confronto direto) e da Rússia (18).

Para os russos - velha potência da disciplina (hexacampeões olímpicos entre 1992 e 2002), dando sequência à herança da União Soviética (que só falhou dois títulos entre 1952 e 1990) - continua o jejum de medalhas de ouro, que dura desde a retirada de Garry Kasparov em 2002. Com a agravante de verem o seu maior ícone das últimas décadas a trabalhar com o inimigo: o russo, de 53 anos, autoexilou-se em Nova Iorque, em 2013, e desde então a Fundação de Xadrez Kasparov tem posto em prática um sistema de deteção e treino de talentos similar ao que era utilizado na União Soviética.Um dos seus frutos é o novo campeão mundial de juniores, Jeffery Xiong - o segundo mais jovem de sempre, ao 15 anos e dez meses.

"Temos uma rede de recrutamento das crianças com talento espalhadas pelos EUA. O Garry faz concentrações com eles duas vezes por ano e oito a dez recebem uma formação aprofundada, também supervisionada por ele. Temos meia dúzia de jogadores sub-20 com um grande futuro", descreveu, ao jornal El País, o presidente da fundação, Michael Khodarkovski. É o resultado da expansão do xadrez nas escolas norte-americanas: estima-se que haja cerca de 50 milhões de praticantes nos EUA, 10% com estatuto de federado.

"Caruana e So estão à venda?"

No entanto, Kasparov não é o único rosto da revolução dos EUA nos tabuleiros que, nos tempos da Guerra Fria, eram palco de confronto entre as principais potências políticas. O mecenato de Rex Sinquefield, um milionário do Missouri, foi essencial para trazer para o país figuras como Fabiano Caruana, n.º3 do ranking mundial, e Wesley So, 7.º da tabela.

O primeiro, nascido em Miami, tinha-se radicado na terra dos pais e competia pela seleção italiana, até que, em 2014, Sinquefield pagou a sua transferência para os EUA (algo permitido pela Federação Internacional de Xadrez). O segundo também deixou a terra-natal, as Filipinas, alegando motivos pessoais. E essa forma de reforçar uma seleção nacional naturalizando jogadores revoltou os outros competidores das Olimpíadas, incluindo o atual campeão mundial - o norueguês Magnus Carlsen. "Provavelmente, precisamos de uma equipa melhor para chegar mais longe, pergunto-me se Caruana e So ainda estarão à venda", disse Carlsen, na rede social Twitter, após levar a Noruega a um surpreendente 5.ª posição.

Os noruegueses, que somaram os mesmos 16 pontos de Índia, Turquia, Polónia, França, Inglaterra e Peru, foram uma das maiores revelações da competição bienal - também marcada pela hecatombe da China, que defendia o título mundial mas se quedou pelo 13.º lugar, com 15 pontos (Portugal somou 13 e ficou em 41.º, entre 150 participantes). Mas o que fica mesmo para a história é o regresso ao trono dos EUA. Afinal, o último título dos estado-unidenses - conquistado em Israel em 1976 - tinha ficado ensombrado pela ausência dos países alinhados com a União Soviética e de outras nações árabes, em protesto para com a realização da competição em solo israelita. Antes disso, os norte-americanos tinham-se sagrado campeões olímpicos em 1931, 1933, 1935 e 1937.

Karjakin, a nova esperança russa

Agora, passadas as Olimpíadas, a Rússia agarra-se a uma nova esperança para voltar a brilhar no xadrez: a reconquista do título mundial individual (que lhe escapa desde que Vladimir Kramnik o conquistou em 2006). Essa ambição está nas mãos de Sergei Karjakin, que venceu o torneio de candidatos (em março).

Karjakin vai disputar a final do Mundial, de 11 a 30 de novembro, em Nova Iorque, contra Magnus Carlsen, que conserva o ceptro desde 2013. Pelo contexto e pelas suas origens, o jogador -nascido há 26 anos na Crimeia, a região separatista que tem sido foco de tensão entre Ucrânia e Rússia - promete voltar a trazer a política para os tabuleiros da competição.

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