O ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, disse que ia reforçar a aposta nos cursos profissionais, captando para esta via de ensino - e ainda este ano - cinquenta por cento dos alunos que frequentam o secundário. A comunicação social fez manchetes com a declaração, apesar de o objetivo ser velho. Tem pelo menos 22 anos, desde que o ensino secundário foi reformulado. De resto, também a Estratégia de Lisboa da União Europeia, lançada no ano 2000, previa o mesmo: colocar metade dos jovens do secundário nas vias de ensino de dupla certificação, até 2010. Nos cursos profissionais propriamente ditos, usados como bandeira como alternativa ao ensino regular, as estatísticas da Educação mais recentes mostram que dos 344 621 alunos do 10.º, 11.º e 12.º anos quase 43 por cento já os frequentavam em 2011; os restantes estavam no ensino regular. Nos cursos profissionais propriamente ditos, cuja conclusão permite a dupla certificação (equivalência ao 12.º ano e qualificação profissional), estavam inscritos 110 462 alunos (32 por cento). .Há várias opções, desde os cursos que dão igual acesso à faculdade aos cursos claramente desenhados para alunos maus - «na esmagadora maioria dos casos, nenhum dos cursos profissionalizantes é de facto alternativo ao ensino regular, mas sim uma saída possível de um percurso de insucesso no ensino regular», explica João Garrido, com 38 anos de serviço docente, alguns dos quais no ensino profissional. E as ofertas alternativas ao trajeto regular aumentaram muito nos últimos anos acompanhadas pela procura por parte dos alunos. .Mas todos os que estão ligados ao ensino consideram que encaminhar os alunos com dificuldades de aprendizagem ou em risco de insucesso ou abandono escolar para estes cursos é uma forma perniciosa e pouco dignificadora de os encarar. «Criou-se o mito de que quem não tem sucesso a Matemática, Língua Portuguesa ou História então é porque deve seguir uma via profissionalizante», acusa o professor e blogger Paulo Guinote. «Falta ao ensino profissional ser pensado em si mesmo e não em função da sua instrumentalização no combate ao abandono e insucesso escolar, porque isso afasta dessa via quem até poderia ter interesse no ensino profissional mas receia ir para turmas problemáticas em termos de comportamento e com fraco aproveitamento.» E está tudo dito..O mesmo pensa a professora Maria do Carmo Vieira, que, apesar de apontar lacunas aos cursos profissionais - uma carga horária exagerada e alguma falta de cuidado na definição dos programas -, considera-os uma boa alternativa aos cursos ditos normais. O erro, garante, «está na insensatez de um discurso, às vezes oficial, que associa curso profissional com menor capacidade intelectual ou monetária». Desse discurso decorre a ideia de que o curso profissional promove os alunos profissionalmente, sem muito estudo, quando, «na verdade, não é isso que acontece». Seja qual for a profissão, hoje em dia, «a exigência é a palavra de ordem» para se ser um bom eletricista, um bom mecânico, um bom agricultor, um bom médico, um bom professor. Ou seja, todos contrariam as ideias transmitidas por Nuno Crato. Como os estudantes com quem falámos. .Rute Silva.«Quero ser fotógrafa» .Na verdade o que Rute Silva quer ser é a Annie Leibovitz portuguesa. Nem mais nem menos. Imortalizar cenas através da sua máquina fotográfica é o que faz Rute Silva, 17 anos, levantar-se da cama todos os dias com a energia de uma criança de 5 anos. O «mundo da moda» também a atrai, e muito. Captar, desvendar a mais ténue e discreta expressão dos manequins que posam em estúdio ou desfilam nas passerelles é o sonho que alimenta desde que optou por um curso profissional de fotografia. O fascínio vem-lhe de pequenina. Sempre que ia a casamentos, a pequena Rute fixava-se nos flashes disparados pelas máquinas dos fotógrafos. «Aquelas luzes, umas a seguir às outras, interessavam-me mais do que o vestido da noiva. Achava o máximo aqueles movimentos dos fotógrafos, a rapidez com que substituíam umas lentes por outras, ao mesmo tempo que diziam às pessoas como deviam posicionar-se para ficarem bem na fotografia.» .Daí até ter a sua primeira máquina passou uma eternidade. Só no ano passado é que a recebeu, «uma Canon 1100 D semiprofissional», que cuida como se fosse um tesouro. Findo o 9.º ano, optou por um curso profissional, em vez do ensino regular. Depois de uma pesquisa na internet, encontrou «exatamente o que queria» no Instituto Multimédia, no Porto. Dois anos já lá vão e sente-se cada vez mais apaixonada pela fotografia. Das coisas que mais adora são as aulas práticas: «O professor mostra-nos um livro de fotografias espetaculares e nós escolhemos uma. Depois temos de conseguir uma imagem como aquela. Não é igual, não precisa de ter os mesmos elementos. O desafio é utilizar as técnicas que o autor da fotografia utilizou. Por exemplo, arrastamentos, desfocagens, simetrias...» .Este ano letivo que agora começa é o último do curso. Quando terminar, Rute receberá um diploma que lhe confere a dupla certificação - 12.º ano concluído e qualificação profissional que a habilita a trabalhar na área. Mas Rute não quer começar logo a trabalhar, apesar de andar num curso profissional. O seu objetivo é entrar na faculdade para continuar a estudar fotografia. É um dado curioso, no entanto, não é assim tão raro, como o demonstra um inquérito de 2009/2010 do OTES, Observatório de Trajetos dos Estudantes do Ensino Secundário, aos alunos que frequentavam o ensino profissional: quando lhes perguntaram o que queriam fazer quando terminassem o 12.º ano, se trabalhar ou prosseguir os estudos, quarenta por cento responderam que gostariam de continuar a estudar. Em todo o caso, garra é o que não falta a Rute, que caso não tenha a sorte (sim, sorte, porque talento não lhe faltará) de vingar como fotógrafa de moda, não se importaria de trabalhar para a prestigiada Magnum, «a melhor agência de fotografia no mundo». .Cirilo Domingos.«Quero ser eletricista» .Cirilo Gomes saiu da Guiné-Bissau em 2010 porque queria estudar economia em Portugal... na faculdade. O pai já cá estava há alguns anos, o que facilitaria as coisas. De resto, habilitações não lhe faltavam: ensino secundário concluído no seu país, só precisava das equivalências. «O meu pai é que tratou de tudo e até me inscreveu no curso.» O curso, afinal, era de técnico de eletricidade. «Eu não fazia a mínima ideia. Ele não me disse nada. Cheguei a casa e tivemos uma grande discussão, claro». O pai, no entanto, era uma pessoa realista e trouxe-o à razão que hoje lhe reconhece. «Disse que era importante ter uma formação técnica, mais direcionada para o mercado de trabalho.» Por outro lado, «não queria estar um ano parado». Cirilo decidiu frequentar as aulas e mais tarde, então, «trataria dos papéis para obter as equivalências». .Uma visita ao Museu de Eletricidade, em Lisboa, fê-lo mudar de ideias. «Fiquei fascinado pela dinâmica envolvida no processo de produção de energia. De repente, imaginei-me a trabalhar como eletricista. A partir desse momento, passei a gostar do meu curso. Gosto cada vez mais.» Está no terceiro e último ano do curso e ansioso para que as aulas recomecem, e se inicie o estágio. Só essa experiência o fará «saber realmente o que é ser eletricista, num ambiente de trabalho a sério», fora das oficinas da escola onde aprende e pratica a profissão. As oficinas são os espaços onde melhor se sente dentro da escola: «É muito mais agradável do que estar sentado, numa sala, a ouvir teoria e mais teoria». .Quando terminar o curso, o objetivo de Cirilo é trabalhar. Tem 25 anos, «é mais do que altura de ganhar dinheiro». Mas como o desemprego está a crescer, «incluindo para os eletricistas», não enjeita prosseguir os estudos. «Quanto mais qualificações melhor, e se possível em diferentes áreas. Trabalhar e estudar ao mesmo tempo seria o ideal para mim.» Talvez o velho sonho de se formar em economia, afinal, não esteja tão de parte. .Luís Almeida.«Quero ser técnico de turismo».É um jovem de 21 anos à procura do primeiro emprego. Depois de três anos num curso profissional de técnico de turismo na Escola Secundária Abel Faria, em Baltar (a 25 quilómetros do Porto), e do estágio obrigatório de dois meses numa empresa, Luís Almeida teve de fazer o que todos os alunos que optam por um curso profissional fazem: a Prova de Aptidão Profissional (PAP). É o que lhe confere a dupla certificação: 12.º ano completo e qualificação para exercer a profissão que escolheu. Teve nota 14 na PAP. Mais alta foi a do estágio de dois meses numa agência de viagens: 19 valores. Uma boa avaliação não lhe garante, no entanto, um emprego. Apesar de ter escolhido uma atividade que a ANESPO (Associação Nacional de Escolas Profissionais), identifica como pertencente ao «grupo de atividades com oportunidades em crescimento», no estudo Qualificações para a Reconversão Sectorial - Défices e Estrangulamentos na Oferta de Qualificações para a Economia do Futuro, realizado este ano, Luís não esconde algum receio da etapa que se segue. «O turismo é uma área com muito potencial em Portugal, mas esta crise financeira está a afetar todos os setores.» .Ainda assim, mantém a esperança. Inscreveu-se no site net empregos, espreita os anúncios de ofertas de emprego nos jornais, está atento às montras das agências de viagens, não vá alguma, «por sorte», ter um papel a dizer Precisa-se de colaboradores. Se conseguisse trabalho num hotel, «claro que não recusaria», mas as suas ambições afastam-se dos balcões de receção dos hotéis. Luís prefere as agências de viagens. Foi, aliás, por isso, que escolheu uma para estagiar. «Aí tenho mais oportunidades de fazer o que realmente gosto. Não apenas interagir com os clientes», que isso também um rececionista de hotel faz, mas «planear, programar as férias, passo a passo, do princípio ao fim, sugerindo-lhes destinos e atividades de lazer». .Há uma outra razão para ter rejeitado o estágio num hotel: a má experiência da colega de turma Ana Duarte, 19 anos. Conta Ana: «Estagiei mês e meio numas termas e a única coisa que fiz foi fazer camas e limpar quartos. Tive nota 18», o que para ela só a classifica como sendo «muito boa a puxar lençóis». O pior é que situações como esta parecem não ser raras, pelo menos para Ana. «Antes, tinha estado a fazer outro estágio num hotel em Valongo, onde também me puseram a fazer limpezas no bar». Luís não tem razões de queixa. «Pelo contrário», garante, «não posso estar mas satisfeito com o estágio. Superou as minhas expetativas. Fiz o que é suposto um técnico de turismo fazer: dei orçamentos, trabalhei em programas como o Galileo (permite verificar as disponibilidades dos voos, os preços e os horários), criei itinerários turísticos, planeei viagens dentro do orçamento disponível». Viajar, conhecer mundo, é o que há de melhor na vida para Luís. Nem que seja a programar as viagens de sonho de outras pessoas..Inês Farinha.«Quero ser organizadora de eventos».Estava a repetir o 11.º ano do ensino regular, nos chamados cursos humanístico-científicos, quando resolveu mudar para a via de ensino profissional. Uma das causas do chumbo terá sido a desmotivação que entretanto começou a sentir em relação à área de ciências, pela qual tinha optado. E «a separação dos pais», com que teve «dificuldade de lidar» também contribuiu para baixar as notas. Mas talvez a mais forte, a que terá impulsionado Inês Farinha, 18 anos, para uma mudança de rumo, foi sentir-se deslocada numa turma cheia de bons alunos, com médias superiores a 15. «A minha era de 10. Sentia-me mal». .Inês encara como um desafio, e não como um retrocesso, voltar ao 10.º ano para o curso de organização de eventos. Não faz ideia do que aí vem, mas tem esperança - e empenho - de que desta vez os estudos corram melhor. Espera até conseguir obter uma Bolsa de Mérito da nova escola, em função dos resultados. Vai sair dos Salesianos, em Manique (Cascais), os colegas serão outros, os professores também. As expetativas são elevadas, pois sente-se «mais vocacionada para uma formação mais prática». .Organização de eventos e Marketing eram os cursos profissionais disponíveis na nova escola, a Secundária de Cascais (conhecida por Polivalente de Cascais). Escolheu o primeiro. Acredita que pode ser uma mais-valia para ajudar a expandir o negócio do pai, proprietário de uma loja de produtos para animais. Desengane-se quem pensava que um organizador de eventos só planeava as festas das VIP que vemos nas revistas cor-de-rosa: «Acima de tudo, tem de ter uma grande capacidade de gestão, não só de meios como de pessoas. Caso contrário, não conseguirá ter sucesso na preparação de palestras, conferências, seminários. É um trabalho de bastidores, poucos fazem ideia da eficiência que exige.» Até um evento com a magnitude e complexidade do Rock in Rio, em Lisboa ou noutra parte do mundo, exige o desempenho de um bom organizador de eventos. .Martim Sousa.«Quero ser mecânico».Era criança quando começou a interessar-se por carros, por influência do irmão mais velho, que os «adorava». Mas o interesse de Martim Sousa, agora com 16 anos, não estava nas marcas nem na velocidade que podiam atingir. O interior, as peças que os constituíam e os faziam funcionar é que lhe despertavam a curiosidade. Cresceu a pensar que queria ser mecânico numa oficina. Foi-lhe fácil, portanto, escolher o curso profissional de mecatrónica automóvel, na Escola Secundária Marquês de Pombal, em Lisboa. «Não queria ter mais aulas teóricas. Queria uma coisa mais prática, mais de acordo com a profissão que eu gostava de exercer.» Este curso tem a particularidade e a «vantagem» de juntar numa só formação duas áreas distintas - a mecânica e a eletrónica..Agora que se prepara para mais um ano letivo, que se correr bem será o último, as dúvidas assaltam este já não tão seguro de si futuro mecânico. A insegurança no emprego que aflige muitos portugueses fá-lo vacilar e pensar enveredar por uma carreira militar, porque, acredita, lhe garantirá mais estabilidade. «Assim que terminar o 12.º ano, vou tentar entrar na Academia Militar.» Na família, não é profissão estranha - o pai é um reformado do Exército. Ser mecânico é, nesta altura, o plano B. Ou até mesmo C. «Se não entrar na Academia, vou candidatar-me ao curso superior de engenharia mecânica, na faculdade. Acho que é uma profissão com mais futuro do que a de mecânico.» À partida, parece um contrassenso esta ideia, sobretudo num tempo em que se paga mais pelos serviços de um canalizador do que pelo trabalho de um arquiteto ou engenheiro. Mas Martim tem o seu argumento: «Hoje vivemos numa cultura baseada no usar e deitar fora. Sai mais barato comprar uma peça nova do que mandar arranjar a peça estragada. Nos carros acontece a mesma coisa.» Em todo o caso, militar, engenheiro mecânico ou simplesmente mecânico de automóveis, uma coisa Martim sabe que não quer: fazer parte da cada vez mais gorda lista de jovens desempregados recém-formados/licenciados. .Cursos vocacionais ou a lei da segregação?.O anúncio recente de que este governo se prepara para lançar um projeto-piloto de cursos de ensino vocacional, a pôr em prática já em 2013/2014, chocou pais, alunos, professores e meio Portugal. A situação não é para menos, pois levanta muitas reservas. Diz o ministro que poderão ser frequentados por opção dos alunos ou encarregados de educação. Não haveria nada a opor, não fossem obrigatórios para os alunos que até ao 6.º ano tenham reprovado duas vezes no mesmo ano ou três vezes intercaladas. Para o psicólogo educacional José Morgado, docente do departamento de Psicologia Educacional do ISPA-IU, é como se voltássemos «a um tempo em que se ouvia "não tens jeito para a escola vais para o campo, não tens jeito para os trabalhos intelectuais, vais para os trabalhos manuais", ou vocacionais como agora lhe chama o Ministério da Educação». Se este projeto-piloto vingar, o risco de discriminação e estigmatização é, crê o psicólogo, «real e preocupante». .Outra questão igualmente relevante é a da maturidade para uma decisão tão importante como escolher uma profissão. Um aluno do 6.º ano, uma criança de 13 ou 14 anos, pode optar? José Morgado duvida: «Nem a lei nem a sua maturidade lhe permitem optar. Por alguma razão os alunos destas idades têm um encarregado de educação.» O mais previsível, teme, «é a escola poder optar pelos alunos, canalizando os preguiçosos e fracassados, os que atrapalham os bons alunos, para o ensino vocacional». O professor catedrático Joaquim Azevedo vai mais longe: «Os professores, em cooperação com as famílias, é que deverão ter a liberdade de decidir o que fazer em cada caso. Esta mania é desastrosa, além de estúpida; que sabe a 5 de Outubro sobre se a melhor proposta educativa, em cada caso, é um "ensino vocacional" para um trirrepetente ou um currículo alternativo, se é um curso de padeiro ou de canalizador no 8.º ou no 9.º ano, se é um tempo de apoio especializado, se é uma deslocação temporária para uma turma de reforço educativo especializado... Sim, sobre isto, que sabe a 5 de Outubo?».