Eu, pecador, me confesso
"Quando faço bem, sinto-me bem; quando faço mal, sinto-me mal. Essa é a minha religião"
Abraham Lincoln
Sou um grande pecador. E não julguem que estou aqui para vos confessar pecadilhos arrumáveis na estante dos pecados veniais. Não sou preguiçoso ou avarento (se tiverem dúvidas, perguntem à minha ex-mulher). Mas terça-feira ao jantar, na Marisqueira do Miguel, em Matosinhos, cometi o pecado (mortal) da gula na pessoa de uma enorme (e deliciosa) posta de bacalhau assada no forno.
Não posso mentir e esconder- -vos que, ao preencher a declaração do IRS, fiquei cheio de inveja dos 3,1 milhões de euros que o Mexia levou o ano passado para casa - e de não ter sido eu o autor da genial ideia de arranjar maneira de que o salário do presidente da EDP fosse publicado nos jornais de 1 de Abril (as pessoas sempre ficaram na dúvida se seria ou não peta do dia das mentiras).
Foi a epidemia de notícias sobre actos de pedofilia praticados por membros do clero que me levou a fazer o exercício de introspecção onde concluí que cometo regularmente três (gula, inveja e luxúria) dos sete pecados mortais.
Trata-se de um exercício diletante porque apesar de ter sido baptizado, andado na catequese, feito a comunhão e até ter ajudado uma vez à missa, a meio da adolescência tornei-me um herege e passei a ter a mesma religião que o Lincoln.
Tenho muita pena de ter deixado de acreditar, pois passei a acumular e a carregar as minhas culpas. Tenho inveja (cá estou eu, outra vez, a pecar) de não poder beneficiar do eficiente sistema inventado pela Igreja Católica para aliviar a consciência dos seus fiéis e que tem como base o pecado em que Adão mergulhou a humanidade.
A Santa Madre Igreja sabe que todos nós, sem excepção, somos pecadores, e por isso sossega-nos ao garantir que Deus, na sua infinita bondade e inesgotável misericórdia, está sempre pronto a perdoar-nos. Basta confessarmos os pecados, protestar o nosso arrependimento e aceitar trocar a absolvição por umas quanta penitências (e, atenção, porque uma esmola pode substituir um sacrifício!). Quando acabamos de rezar o Acto de Contrição, voltamos a ter zero quilómetros no longo caminho do pecado. Essa é que é essa.
Eu, pecador, me confesso. Morro de inveja por não estar abrangido por este eficaz sistema de alívio espiritual de consciências. E tenho uma dúvida. Serão católicos praticantes os pecadores que meteram ao bolso as comissões da compra dos submarinos?