Etiópia. O país do mês de 5 dias 

Mala de viagem (65). Um retrato muito pessoal da Etiópia.
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Outrora, a Etiópia, ou Abissínia, era uma civilização antiga e poderosa e tinha uma imagem "orientalizante", designada "terra das caras queimadas" e descrita como a "terceira Índia", com clima temperado e acolhedor. Estas conceções foram cristalizadas nos textos cosmográficos medievais, assim como na cartografia ecuménica, a partir do século XIV, onde um conjunto de elementos se tornou particularmente relevante: a região correspondente ao chamado "Corno de África", adjacente ao mar Vermelho. Parte disto aprendi ao ler a obra do português mais informado sobre este território, Manuel João Ramos, nosso contemporâneo. Para quem quiser viajar pela Etiópia, aconselho a bibliografia deste investigador, que se apaixonou pelo estudo desta parte de África. Com os pés neste país, sobre o qual dizem ser o mais antigo país independente do mundo, o guia que nos levou não esqueceu as ligações que tiveram, há séculos, com os portugueses, documentadas por um dos antigos estudiosos, Francisco Maria Esteves Pereira. O guia tinha consigo um pequeno bloco de notas, do qual ia lendo pequenos apontamentos sobre o que recolheu ao saber que iria conduzir um grupo de portugueses: "No último quartel do século XV, durante o século XVI e a primeira metade do século XVII, entrou na Etiópia um grande número de portugueses, em condições diversas, de quase todas as classes sociais, e muito raros foram os que saíram daquele país, quase todos ali morreram." Disse-o, mais ou menos assim, com um ar de regozijo. Talvez estivéssemos na presença de um descendente, por causa da sua mestiçagem. No fim da visita, ainda o questionei sobre a razão da capacidade atlética dos Etíopes nas provas de atletismo. Explicou que muitos deles vão a correr para as escolas, que ficam a vários quilómetros de distância. Eles habituam-se a correr muito e, depois, a competir. E disse ainda: "Correr começa a significar liberdade para os jovens atletas." O maratonista Feyisa Lilesa chamou a atenção para a repressão que a sua etnia está a sofrer, aproveitando a medalha de prata nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. Curiosamente, enquanto os atletas ambicionam reduzir o tempo de corrida, a população etíope tem uma relação algo particular com o tempo: têm doze meses de 30 dias, a que se segue mais um mês de cinco dias apenas. Para eles, o primeiro dia do ano corresponde ao nosso 11 de setembro. Além disso, começam a contar as horas do dia a partir da alvorada e não da meia-noite. Verdadeiramente, é apropriado dizer que, na Etiópia, de manhã começa o dia, e com um café, que é a maior produção deste país.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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