Fredric Brown, escritor nascido nos Estados Unidos, notabilizou-se pelos contos curtos de ficção científica e fantasia. Ao longo de uma carreira de perto de três décadas, iniciada em 1938 e finda na década de 1960, Brown assinou centenas de contos. Entre estas narrativas, Arena, publicada em junho de 1944, relata o hipotético conflito entre a Terra e uma civilização extraterrena, os Outsiders. Bob Carson, piloto de uma nave de reconhecimento, sonha que se digladia com uma criatura dotada de inteligência superior, de forma esférica e com 12 tentáculos retráteis. Na arena, uma inteligência antiga sussurra à mente de Carson os desígnios da contenda. Aquele que perder o combate verá as suas hostes condenadas ao extermínio. A luta, feroz, termina com a vitória terráquea. Bob Carson desperta do seu sonho e percebe que está ferido. Terá a luta transposto a arena do território onírico?.Vinte e três anos após a publicação de Arena, o conto inspirou, em 1967, o guião do 18.º episódio da primeira temporada de uma série norte-americana que conquistava não só os confins do universo, como também audiências crescentes. A bordo da nave interstelar USS Enterprise viajavam, entre outras personagens de culto, o capitão James Kirk, o comandante Spock e a tenente Hikaru Sulu. A Fredic Brown coube receber proventos dos direitos de autor do conto que engendrara na década de 1940, muito antes deste alcançar o sucesso no pequeno ecrã. Nessa mesma década, a prosa do escritor nascido em 1906, entregara ao prelo uma narrativa breve que não alcançaria o estatuto de obra televisiva. Etaoin Shrdlu, título singular para o conto de 1942, detinha-se no tema do conflito homem/máquina. Brown olhou para uma das máquinas que simbolizava uma das conquistas do seu tempo: o linótipo, engenho de impressão, inventado na Alemanha no século XIX e utilizado até à década de 1980 que acelerou os tempos de produção de jornais, revistas e cartazes. O operador do linótipo socorria-se de um teclado semelhante ao das máquinas de escrever..Em Etaoin Shrdlu (disponível para leitura online), o linótipo imaginado por Brown apresenta-se como uma entidade senciente, capaz de gerar a sua própria eletricidade, configurar textos sem recorrer a um operador, compor livros de sua autoria e deslocar-se de forma autónoma. À sua escala, o linótipo instaura uma ditadura sobre o editor a quem exigiu a presença de uma máquina análoga. Queria namorar. Sem revelar o epílogo deste conto, onde a humanidade encontra salvação em escritos budistas, encontramos na génese do título da obra um dos traços da operação de impressão dos linótipos. Etaoin shrdlu não é mais do que a colocação em ordem crescente das 12 letras do alfabeto latino cuja frequência de utilização é aproximadamente a mais alta da língua inglesa. Por uma questão de ergonomia para os operadores de impressão, as letras formavam as duas primeiras colunas dos teclados das máquinas de linótipo..Sempre que havia que completar, à posteriori, uma linha de impressão com informação em falta, os operadores passavam os dedos pelas referidas teclas. Aos revisores chegava uma prova com um padrão de fácil leitura. Etaoin shrdlu seria substituído pelo texto definitivo. Contudo, nem sempre o era, e as páginas de jornais e revistas do século XX são férteis em enigmáticas alusões a duas combinações de letras que incitam a nossa imaginação a visitar mundos perdidos nos extremos do universo ou deuses destruidores erguidos das páginas dos contos do escritor norte-americano H.P. Lovecraft..À parte a veia criativa de Fredric Brown e de inúmeros autores que transportaram para os seus escritos metáforas em torno de etaoin shrdlu (são disso exemplo os norte-americanos Thomas Pynchon, Max Shulman e Elmer Rice), a combinação de letras apadrinhou, ainda na década de 1960, o produto do trabalho de um professor de ciência computacional a trabalhar na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Terry Winograd apresentou em 1967 o seu SHRDLU, um dos primeiros programas de linguagem natural desenvolvido em laboratório e reconhecido como um momento inaugural de ficção interativa, base para todo um mundo posterior de jogos de interação entre utilizador e máquina..Com SHRDLU o utilizador "conversava" com o computador que, às ordens do operador, movia formas geométricas - cones, esferas, cubos - num ecrã. Um léxico de 50 palavras, entre substantivos (ex. bloco e cone), verbos (ex. colocar e mover) e adjetivos (ex. grande e azul), bastava a SHRDLU para mover o seu mundo digital. De acordo com Terry Winograd, o investigador partia de um princípio: "um computador não consegue lidar razoavelmente com a linguagem a não ser que consiga "compreender" o assunto em discussão", como escreve em Procedures as a Representation for Data in a Computer Program for Understanding Natural Language, trabalho datado de janeiro de 1971. No fundo, SHRDLU operava num mundo simples, onde todo o conjunto de objetos e posições possíveis poderiam ser delineados a partir de poucas palavras..No título já citado, Terry Winograd apresentava à comunidade científica os atributos do seu SHRDLU: "os computadores estão a ser utilizados hoje para assumirem muitos dos nossos trabalhos. Podem realizar milhares de cálculos em segundos, operar uma imensidão de dados e realizar trabalhos rotineiros de escritório com mais eficácia e precisão do que os humanos, mas quando se trata de lhes dizer o que fazer são tiranos, insistem em comunicar em linguagem de computador e agem como se nunca pudessem entender uma simples frase em inglês"..O diálogo utilizado como demonstração de SHRDLU fez-se um clássico dos primórdios da interação humana, através da linguagem natural, com a máquina: "Pessoa: agarre um grande bloco vermelho; Computador: ok; Pessoa: segure na pirâmide, Computador: Não entendo a que pirâmide se refere; Pessoa: encontre um bloco mais alto do que aquele que está a segurar e coloque-o na caixa; Computador: entendo que se refere ao bloco que é mais alto do que aquele que estou a segurar". O diálogo arrasta-se por dezenas de linhas de ordens e ações. SHRDLU respondia a perguntas sobre o que era possível ou não no mundo onde se movia. Sabia que cubos podiam ser empilhados, cones não. Em 1991, numa entrevista (disponível online) ao Instituto Charles Babbage, na Universidade de Minnesota, Terry Winograd admitiu que as linhas do diálogo com SHRDLU tinham sido meticulosamente pensadas, sem que houvesse a tentativa de chegar ao momento em que se pudesse entregá-lo a alguém que o usaria para mover os blocos"..Afastado das linhas de comando de SHRDLU, em 1975 e 1976, o programa de xadrez Etaoin Shrdlu, escrito por Garth Courtois Jr., lançava-se à conquista do ACM North American Computer Chess Championship. Competições renhidas contra, entre outros, Chaos, Blitz 4 e L´excentrique e com a vitória entregue a Chess 4.5. Uma apropriação de etaoin shrdlu menos arrebatada e romântica do que aquela que envolve o conto de 1945 de Anthony Armstrong, escritor anglo-canadiano. Etaoin e Shrdlu finda com as seguintes palavras: "e Sir Etaoin e Shrdlu casaram-se e viveram felizes eternamente de tal forma que sempre que encontra o nome de Etaoin, geralmente é seguido pelo de Shrdlu".