Estudantes manifestam-se contra assédio na academia

Estudantes do ensino superior estiveram esta terça-feira em protesto, em várias cidades do país, contra o assédio moral e sexual nas instituições e exigir uma "academia segura e inclusiva".
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As manifestações foram convocadas pelo movimento "Academia Não Assedia", decorrendo em Lisboa, em frente à reitoria da Universidade de Lisboa; em Coimbra, no Largo de D. Dinis, e em Braga, no 'Campus' de Gualtar da Universidade do Minho.

Em Lisboa, cerca de 20 estudantes concentraram-se em frente à reitoria da Universidade de Lisboa, num protesto contra o assédio sexual e moral nas instituições que "continua a acontecer" e merece medidas sérias e eficazes.

"Precisamos de sair à rua e reivindicar medidas que sejam eficientes porque as instituições não estão a fazer nada, ou quase nada, para combater estas práticas", disse a porta-voz, Raquel Oliveira, em declarações à agência Lusa.

Pelas 18:30, meia hora após o início do protesto, juntavam-se pouco mais de 20 estudantes, apesar dos vários apelos de Raquel que, ao microfone, ia pedindo aos colegas concentrados à porta das faculdades de Direito e Letras que se juntassem.

Em iniciativas anteriores, o combate ao assédio chegou a juntar centenas de estudantes, sobretudo quando foram conhecidas denúncias na Faculdade de Direito e no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, no ano passado, e no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, este ano.

Hoje, no entanto, o protesto foi tímido, ainda que, esporadicamente, os estudantes gritassem palavras de ordem como "A luta é todo o dia contra o assédio na academia" ou "Assédio abafado, abaixo o patriarcado".

"Normalmente, as pessoas só saem à rua quando há um caso polémico, mas não é necessário haver um caso público para sairmos à rua, porque o assédio continua a acontecer", alertou Raquel Oliveira.

Já este ano, o Governo anunciou a constituição de uma comissão responsável por definir uma estratégia de prevenção do assédio nas universidades e politécnicos, constituída por representantes das instituições, de federações e associações de estudantes, da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e da Comissão para Igualdade no Trabalho e no Emprego.

"Fica muito aquém", disse Raquel Oliveira, sublinhando que, desde o ano passado, quando foi divulgado um relatório do Conselho Pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que recebeu 50 queixas de assédio e discriminação, relativas a 10% dos docentes, as instituições de ensino superior pouco fizeram.

"Poucas instituições implementaram, de facto, algo para colmatar isto e os gabinetes que existem são ineficazes", considerou a estudante, referindo que, por isso, muitos colegas "têm medo de falar".

No manifesto do movimento, os estudantes defendem medidas concretas para responder ao problema, como a criação de um gabinete independente de apoio psicológico e jurídico em todas as universidades, a criação de códigos de conduta que assegurem "uma efetiva resposta a casos de assédio" e a promoção de medidas sancionatórias eficientes.

Pedem também a realização de questionários institucionais anónimos, para apurar o número atualizado de situações de assédio, a distribuição de informação sobre os mecanismos de apoio e a garantia de que as vítimas não sejam avaliadas por docentes contra quem fizeram queixa.

"Ao Ministério (da Ciência, Tecnologia e) do Ensino Superior, cabe assegurar ações de formação obrigatória a todo o corpo docente sobre pedagogia e assédio sexual e moral, bem como racismo, xenofobia ou orientação sexual, incluindo uma formação sobre assédio em contexto laboral", acrescentam.

Em Coimbra, foram também cerca de duas dezenas os estudantes que se manifestaram contra o assédio na academia, solicitando a criação de um gabinete independente para acolher queixas sobre eventuais casos que ocorram nos estabelecimentos de ensino superior.

Empunhando cartazes feitos em papelão, onde se podia ler "propinas não pagam assédio", "boa aventura era não haver assédio" ou "academia não assedia", os estudantes da Universidade de Coimbra começaram a concentrar-se por voltar das 18:00 na Alta da cidade, junto à estátua do rei D. Dinis.

Pouco depois começaram a ser entoadas algumas palavras de ordem contra "todo o tipo de assédio", com a promessa de que "a luta é todo o dia contra o assédio na academia".

"Assédio abafado, abaixo o patriarcado" foi das frases que mais se fizeram ouvir pelos estudantes presentes, que solicitaram ainda que se acabasse "com gabinetes a fingir".

De acordo com Camila Marques, uma das alunas que liderou o protesto, os estudantes pretendem consciencializar a comunidade académica para a necessidade de se reportarem os casos de assédio.

"Queremos que se faça um sistema mais efetivo e que realmente funcione. Que se faça um gabinete de denúncias independente da Universidade [de Coimbra], em que quem esteja a ajudar as vítimas não tenha nada a ver com a Universidade", explicou.

A aluna de mestrado de Sociologia chamou ainda a atenção para a necessidade de essas denúncias garantirem o anonimato das vítimas, bem como apoio psicológico.

"O gabinete que existe [canal de denúncia interna da Universidade de Coimbra] recebeu 42 denúncias, porém não funciona porque as pessoas que avaliam esses casos estão ligadas à Universidade. Isso causa grande constrangimento, medo de represálias e de perder bolsas de investigação", sustentou.

Em Braga, três dezenas de estudantes manifestaram-se na Universidade do Minho (UMinho), em Braga, contra o "problema generalizado" de assédio moral e sexual nas academias portuguesas, exigindo medidas "eficazes" para punir os infratores.

Segundo Beatriz Coelho, do Coletivo Estudantil Feminista da Universidade do Minho, as medidas devem passar por processos disciplinares ou mesmo pela expulsão.

"Chega de gabinetes a fingir, queremos respostas eficazes", referiu.

No entanto, aquela ativista disse não ter números concretos sobre os casos de assédio eventualmente registados nos últimos tempos na UMinho.

"O que sabemos é que em finais de 2021 um porteiro de uma residência universitária foi acusado de assédio sexual a duas estudantes e acabou por ser absolvido. A partir daí, foi criado um email para denúncias que recebeu mais de 100 participações", referiu.

Disse ainda que, nessa altura, foi anunciado um projeto para combater o assédio na UMinho, juntando profissionais de psicologia, sociologia e direito, mas que "estará parado" no gabinete do reitor.

"Não temos conhecimento se avançou mais ou não", acrescentou.

Unidos no movimento nacional "Academia não assedia", os estudantes defendem a criação de um gabinete independente de apoio psicológico e jurídico em todas as universidades do país, bem como a criação de códigos de conduta que assegurem "uma efetiva resposta a casos de assédio" e a promoção de medidas sancionatórias eficientes.

Além disso, apontam à realização de questionários institucionais anónimos, para apurar o número atualizado de situações de assédio, a distribuição de informação sobre os mecanismos de apoio e a garantia de que as vítimas não sejam avaliadas por docentes contra quem fizeram queixa".

"O assédio está institucionalizado nas academias, mas os casos que são tornados públicos são residuais", apontou Beatriz Coelho.

A Lusa contactou a UMinho, que se escusou a comentar este protesto, devido à ausência do reitor no estrangeiro.

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