Estrela no céu
Deixar a preciosa Serra da Estrela ser devorada pelo fogo ou foi negligência grosseira ou foi intencional. Em nenhum dos casos este governo sai bem na foto, cujo fundo não tem eucaliptos mas está cheio de lítio. Mas também para essa acusação Costa e Companhia têm resposta - este executivo já afirma despudoradamente que quem não apoia o PS será prejudicado, aparentando o legendário "quem se mete com o PS leva" a um copinho de leite.
Que crime! 16 mil hectares, 16 mil campos de futebol, um pulmão de Portugal, casa de um dos maiores vales glaciários do globo, nascente pura do Mondego, Zêzere, Alva e Alvôco, santuário de fauna e flora únicas a serem engolidos pelas chamas. Há espécies de plantas e animais que só existem (existiam?) no planalto superior da Serra da Estrela e em mais nenhum lado do mundo. Uns endémicos, outros em vias de extinção. Pessoas e localidades em risco, bichos imolados, árvores centenárias carbonizadas. Uns queimados vivos, e vivos a ficarem queimados, - a perder tudo o que tinham. Outra vez.
"Tudo se cria nela, tudo mergulha as raízes no seu largo e materno seio. Ela comanda, bafeja, castiga e redime. Gelada e carrancuda, cresta o que nasce sem a sua bênção; quente e desanuviada, a vida à sua volta abrolha e floresce.", dizia Miguel Torga. Mas foi-se. E perante mais esta catástrofe, o que diz o PM? A culpa é da Europa. Eis o topete e o despeito após Pedrógão ou Monchique, depois da tragédia se repetir ano após ano, mesmo que todas as questões estruturais estejam todas identificadas. Não estavam reunidos os pressupostos para activar o mecanismo europeu de protecção civil, também se declarou. Quais seriam? Arder toda serra? O país inteiro? Estiveram sempre a monitorizar tudo em teletrabalho, não foi ? A assistir como uma série, bem estofados no sofá.
Estava controlado, tudo limpo, rodeado de lagoas e barragens e com estradões bastantes para as operações terrestres, certo? Só que não. Aviões horas à espera para serem abastecidos, vários meios aéreos inutilizados ou indisponíveis, descoordenação, incúria.
Note-se que este incêndio consumiu um Parque Natural onde o Estado tem responsabilidades directas. Ou seja, isto não mostra o "falhanço de toda uma sociedade" como agora se pretende impingir às populações (mesmo relativamente ao brutal aumento da mortalidade). Chega desses dedos em riste insistindo na responsabilidade individual. O que mora aqui nem sequer é um Estado Falhado mas sim um estado-que-quer-falhar. Conservação da natureza? Reforma da floresta? Aquecimento global? Valorização dos heróis bombeiros? Tudo isso é treta, caso contrário como justificar uma retórica redonda acompanhada pelo continuado desinvestimento?!
Mais. Como não morreu ninguém, não se cortou a A1, nãos e interrompeu a praia a vivalma, medra o desinteresse generalizado por esta catástrofe, que mostra bem o desdém pela Natureza e pela protecção dos ecossistemas. Revela à saciedade o centralismo de Portugal, ofertado em bandeja às bocarras dos interesses e da cupidez.
A Estrela ardeu sete dias. Seriam mais de 70 anos para a salvar. Seriam mas não serão porque tal não vai acontecer, não é? Em 2017 morreram 120 pessoas. O que se fez depois? Nada. Rigorosamente nada. Afastados os holofotes, ficou o vazio, a dor e o abandono. E pronto. É também essa a morada final da serra mais pródiga de Portugal. Lutamos ou deixamos a Estrela passar?
Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia