Sempre que surge um novo governo, merece ser analisado à lupa. É uma exigência democrática. Teremos ainda que aguardar pela apresentação do programa deste primeiro executivo de António Costa com maioria absoluta. Esse documento confirmará o que devemos esperar desta legislatura..Por enquanto as análises cingem-se à constituição do governo, sobretudo aos nomes e perfis dos escolhidos. Mas também importa avaliar a orgânica desenhada, sobretudo ao nível de ministérios. Permitam-me uma análise mais a fundo dessa orgânica, que nos permite descortinar possíveis prioridades do primeiro-ministro..Há coisas estranhas. Desde logo, uma jigajoga de tutelas. António Costa decidiu chamar para junto de si os Assuntos Europeus. É a primeira novidade que se destaca. Porquê só agora? Sobretudo quando no mandato anterior exerceu a presidência da União Europeia durante um semestre sem assumir essa tutela no executivo. Estranho. Será pelos trágicos acontecimentos que se desenrolam na Ucrânia? Mas não deixa de ser um sinal de pouca confiança transmitido ao novo titular da pasta dos Negócios Estrangeiros, que fica um ministro para o mundo, menos a Europa. Ou será que António Costa começa a pensar no seu futuro pós-governativo? Depois de colocar no elenco ministerial todos os possíveis sucessores, estarão os pensamentos do primeiro-ministro já fora do país?.Esta opção pode não estar desligada de outra surpresa. O Planeamento deixa de ter ministério e passa a Secretaria de Estado sob o comando da reforçada ministra da Presidência, agora também responsável pela gestão de fundos europeus. Porquê esta alteração, que menoriza o novo ministro da Economia? Teme-se a insistência na canalização de fundos (possivelmente reforçados pela guerra na Ucrânia) e bazucas apenas para o sector público, permanecendo a economia real como parente pobre das prioridades socialistas..Por outro lado, mantém-se a opção de agregar a Internacionalização aos Negócios Estrangeiros, aquele que agora não tem a Europa. Num país tão carente de investimento estrangeiro, teremos a diplomacia económica repartida por três ministérios. Não parece um cenário promissor..É verdade que a Economia ganha o Mar. Mas sem o sector das pescas, que permanece integrado na agricultura. Separação de águas, imitando Moisés no Mar Vermelho..Reparte-se uma tutela, separa-se outra. Há um Ministério da Coesão Territorial, agora até com o ordenamento do território. Enquanto a mobilidade urbana também merece uma Secretaria de Estado, mas noutro ministério. Lá diz a sabedoria popular, "quem parte e reparte e não fica com a melhor parte...".Mas voltemos à economia. Enquanto outros países, que concorrem directamente connosco, promovem sem complexos o Turismo a Ministério, o PS prefere encaixá-lo numa Secretaria de Estado em conjunto com o Comércio e os Serviços, como se não fosse uma prioridade estratégica para a riqueza nacional. Não parece fazer sentido..São perspectivas pouco animadoras como cartão-de-visita do novo governo. Veremos no que resultam..Após dois anos de pandemia e confrontados agora com uma guerra sem fim à vista, detectam-se opções que não auguram nada de positivo num país estagnado há duas décadas, com escassos recursos próprios e que mantém uma crescente dependência da torneira financeira da Europa. Os tempos que se avizinham serão muito difíceis. E não encontrarão soluções em discursos e propaganda. É um desafio acrescido para a oposição.. Deputado. Escreve de acordo com a antiga ortografia