Estranha forma de vida
O CDS de Freitas do Amaral e Adriano Moreira já não existe. E não existe há muito, desde que deixou de ser um partido de quadros, desde que a Igreja católica foi perdendo influência na sociedade, desde que a democracia cristã deixou de perceber qual o seu lugar numa sociedade eventualmente mais democrática, mas decididamente menos cristã.
Por várias vezes, em diferentes eleições, o CDS foi dado como morto, primeiro nas sondagens, depois na utilidade para o país - que não fosse a de ajudar o PSD pós Cavaco a fazer maiorias.
Nas últimas duas décadas, o CDS esteve sempre à sombra de Paulo Portas (PP), que além da inteligência e sagacidade política, juntava uma dose de tática e estratégia. Foi anti-federalismo e depois europeísta. Foi o partido dos reformados, da lavoura e dos contribuintes. Foi a voz dos liberais, dos conservadores e dos democratas cristãos. Foi abrigo de desencantos com o PSD e foi, por vezes, urbano e moderno.
Foi isto tudo, num tempo em conseguia, com um discurso que chegava a todas estas "tendências", agregar as suas várias famílias internas, que representavam várias faces da sociedade "de não esquerda", como dizia Maria José Nogueira Pinto.
A saída de PP da liderança do CDS fez desmoronar todo este equilíbrio instável e difícil, porque no consulado de Cristas, o partido ficou sem discurso e sem programa, transformado num grilo falante da direita e deslumbrado pelo resultado autárquico de Lisboa, o segundo lugar em 2017, que, como se viria a demonstrar, era apenas conjuntural e não estrutural. Quando o CDS acredita que pode eleger um primeiro-ministro, está totalmente fora da realidade, da sua matriz e da representatividade que, de facto, tem.
E, tal como tinha acontecido com Ribeiro e Castro, que esteve dois anos na liderança do partido, eleito pelas bases e não pelos "senadores", também Francisco Rodrigues dos Santos foi útil para um momento de transição.
Um e outro, Castro e Chicão, tiverem sempre oposição interna feroz e mordaz, sem vida fácil nem espaço de manobra.
Os órfãos de PP, criados na escola de PP, habituados ao modus operandi de PP, nunca consentirão aventuras de quem não fez parte desse clube reservado que consolidou a imagem de um partido de quadros preparados para as batalhas no parlamento e prontos para governar com a "marca" CDS.
O conselho nacional deste fim de semana revelou, mais uma vez, a terrível clivagem que existe entre a herança de PP e os que estão à margem dela.
Os gritos, insultos, acusações e troca de palavras duras, quase de ódio, não ajudam a criar na sociedade - e não no partido - a ideia de que o CDS tem futuro.
Porque, desde PP para cá, o Chega! e a IL foram ao grande cesto da democracia cristã, onde cabiam liberais, conservadores e democratas cristãos, e levaram de lá os liberais e os conservadores.
Nas próximas semanas, até ao Congresso, o país que ainda liga ao CDS vai assistir a uma campanha feia, truculenta e vazia.
E, nesta altura, com este quadro partidário, o que o CDS precisa é de juntar e não dividir, conquistar e não desbaratar, ser sério e não parecer uma Associação de Estudantes. Do secundário.
Estranha forma de vida a deste partido fundador da democracia. Só se pode dar ao luxo da autofagia quem tem dimensão eleitoral para isso.
Não é o caso.
Jornalista