"Estou obcecada pela intimidade no cinema"
Este filme é o retrato, um encontro com um homem misterioso, este sr. Augusto Martinho, de Chaves. Como chegou até ele?
Comecei por filmá-lo para um exercício na escola onde estava, a Lusófona. Encontrei-o no Intendente, em Lisboa, porque toda a nossa turma, composta por alunos estrangeiros, estava interessada em personagens daquele local. Tudo começou quando eu e a minha colega da Sérvia vimos um chinês a espreitar da janela. Quando o conhecemos percebemos que vivia numa apartamento com mais três pessoas idosas. Ninguém se conhecia bem, eram apenas "roomates". Pedimos para conhecer o apartamento e lá fomos! E foi aí que apareceu o Augusto com uma entrada dramática. Fiquei fascinada com a sua figura, a maneira como ele apareceu. Foi uma coisa intensa! Ficámos ambos a olhar um para o outro e depois tivemos logo uma conversa de cinco horas na cozinha. Na altura, não falava bem português mas lá fui percebendo. Aliás, aprendi o meu português com ele. Depois, para além do filme, ficámos muito próximos. Passei muito tempo com ele.
Ao ver este filme fica-se com a ideia que quis explorar as fronteiras da intimidade em cinema...
Estou obcecada por isso. Gosto sempre de levar ao limite a pessoa que filmo. Faço isso não para que ela conte tudo mas para poder partilhar algo verdadeiro comigo. O importante é a pessoa confiar em mim. Em António e Catarina dei espaço ao Augusto para existir. De alguma maneira, senti que ele não tinha ninguém com quem falar. Para ele foi um choque estar a falar de sexo com uma mulher com a qual não tinha...sexo! A primeira vez que falámos sobre sexo ele mudou logo!
Estava a câmara ligada?
É muito complicado para mim distinguir o que foi com a câmara e aquilo que não foi...
Para si o filme ganha uma carga diferente agora que ele entretanto morreu? Será que fica mais um retrato do seu último suspiro de vida?
Provavelmente é isso...Ainda não percebi. Claro que fiquei surpreendida pela sua morte, mas também soube que ele estava doente. No filme vemos um telefonema meu ao Augusto e foi nessa altura que regressei a Portugal e vi-o já muito mal numa clínica. O curioso é que nunca me quis contar a gravidade da situação.
Está aqui em Locarno com um filme produzido por portugueses e feito num contexto nómada. Será um sinal dos tempos a querer dizer que o cinema, cada vez mais, vai deixar de ter fronteiras?
Este é um filme nómada. No filme, vemos o Augusto chamar-me de turca, depois percebe-se que eu vou para a Bélgica e para a Hungria , que eram outros dos países deste programa nómada do Euroimages...Não sei se o público aqui percebeu que eu não era portuguesa. Este é um filme com timmings estranhos. Conheci-o, estive com ele três anos e quando está terminado ele morre...
Deduzo que a passagem do tempo é também um dos seus temas enquanto cineasta.
Sim, agora que menciona isso, devo dizer que sim, sobretudo porque num outro filme de final de curso que fiz também passei muito tempo a filmar. Falava igualmente sobre o final da vida de alguém. Quis filmar aquele período da vida em que estamos muito perto do nosso prazo final e foi agora porque ainda sou jovem e quero ter uma ideia de como é essa aproximação da mortalidade. Parece que já estou a antecipar o que me vai acontecer, não é?