"Estivemos a organizar o espetáculo do ano"

Feira das lambarices é um projeto de integração social de uma aldeia estigmatizada, Vale Domingos,. Leva a Águeda doces de todo o país e também internacionais, diversão e 10 dias de concertos num evento sem lotação limitada pós-pandemia.
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Doces conventuais e do mundo, bairradinos, bolo negro, pastéis, queijadas, rebuçados de eucalipto, sementes caramelizadas, ovos moles, morgados, pão de ló e tantas outras iguarias são servidas na Feira das Lambarices, em Águeda, que começa a 8 e termina a 17 de outubro.

O que começou por ser um projeto de integração social de Vale Domingos transformou-se numa megafesta, talvez o maior festival deste ano em Portugal. Dez dias de concertos com artistas de várias áreas, parque de diversões e gastronomia.
A feira resulta de uma proposta da Associação de Vale Domingos, vencedora do Orçamento Participativo Nacional em 2018. Três anos passaram e a festa dos doces, que a pandemia atrasou, está finalmente de pé. Ainda esteve sobre a mesa adiar por mais um ano, mas a organização decidiu arriscar. Tem o apoio da Câmara Municipal de Águeda e do Ministério da Cultura.
"Apesar de haver pressão para adiar um ano, decidimos esperar apenas um mês, passar de setembro para outubro, quando acabaram as maiores restrições. Poderíamos ter mais empresas a patrocinar se mudássemos e queremos que a feira seja anual e sustentável, mas houve dois fatores que pesaram: a indústria com quem começámos a trabalhar e a população em geral. Estamos a falar de músicos, montadores de palco, feirantes, segurança, todo o tipo de profissionais, e percebemos que estavam deprimidos, com histórias pessoais terríveis, por exemplo houve quem vendesse o equipamento. Percebemos também que as pessoas não estão bem psicologicamente com o que se passou em ano e meio de pandemia, praticamente estivemos em prisão domiciliária. Tínhamos na mão trazer-lhes o que era a normalidade", explica Ricardo Pereira, o presidente da associação. É o mentor de todos os projetos de cariz social em áreas do ambiente, desporto e cultura. Quando vai parar? "Quando sentir que as minhas ideias, e as da minha equipa, deixam de ter impacto na vida das pessoas."
Vale Domingos pertence à União das Freguesias de Águeda, a 3 km da cidade. Tem 300 habitantes, entre residências maioritariamente de idosos, dois acampamentos ciganos e um bairro social. Marcelo Rebelo de Sousa distinguiu a associação em 2019, no âmbito do Ano Nacional da Colaboração. E concorrem ao prémio de projeto mundial de integração social mais relevante, numa lista de 25 organizações, já selecionadas entre 400.

A Feira das Lambarices decorre na Baixa de Águeda, junto ao rio, com 30 expositores, e nem faltam guloseimas vegan. Entre estes, a área de doces de mundo, com especialidades da Venezuela, Moldávia, Angola e da etnia cigana, confecionados por residentes em Portugal, a que se juntam sabores vindos de Marrocos. Inclui um parque de diversões e um espaço para concertos.

Vinte artistas atuam em 10 noites, das áreas mais variadas: Anselmo Ralph, Ana Moura, Os Quatro e Meia, Calema, Bárbara Tinoco e António Zambujo, entre outros. Os bilhetes diários têm preços variados, o passe geral custa 40 euros. "Vai ser o primeiro grande evento sem restrições de lotação, e, sem querer, estivemos a organizar o espetáculo do ano."
Estava prevista para a aldeia de Vale Domingos, uma vez que o objetivo dos projetos de integração social é eliminar a estigmatização da aldeia, diminuir o absentismo e a criminalidade.


O dirigente associativo justifica que a mudança tem a ver com o grande interesse pela iniciativa. "Começámos a perceber que não tínhamos estrutura para receber este evento e a Câmara Municipal de Águeda lançou o desafio para o fazermos na cidade, apoiando-nos no cartaz cultural. Começámos a pensar em ideias para que se cumprissem os objetivos iniciais e Vale Domingos vai deslocar-se para Águeda nestes 10 dias."
Os artistas que vão atuar dão autógrafos no mesmo dia no Parque Botânico, realizam ações de capacitação de culinária com os residentes, uma bolsa de voluntários locais participa na organização e logística da feira, as crianças da aldeia dos 3 aos 6 anos e as que estudam até ao 4.º ano têm entradas grátis e também os adultos em dias específicos. Serão promovidos os projetos locais durante a feira.


Um dos últimos projetos é o da Aldeia de Inovação Social, que visa combater as necessidades locais e que conta com o apoio de empresas do concelho, nomeadamente no emprego e formação. Seis ciganos foram já contratados, além dos que trabalham com a associação e como mediadores culturais. É o caso do patriarca da comunidade cigana, Júlio Ximens, que é jardineiro e mediador.
O próximo projeto envolve o desporto e passa pela criação de uma escola de ciclismo apoiada por uma equipa da modalidade.

ceuneves@dn.pt

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