É dos atores mais torturados de Hollywood. Tem fama de menino mal-comportado, mas neste encontro para alguma da imprensa internacional no Festival de Toronto do ano passado quis desabar sem filtros. Charlie Hunnam é um "bad boy" inglês que não pactua com as regras de Hollywood. Neste novo Papillon, de Michael Noer, não faz esquecer Steve McQueen, mas dá o corpo ao manifesto: perdeu peso e destruiu a imagem de galã..O filme, esse, segue à risca a história do seu personagem, Henri Charrière, um verdadeiro bom malandro que, depois de pequenos crimes na Paris dos anos 1930, é atirado para a famosa ilha do Diabo, na Guiana Francesa, onde acabou por ser protagonista de uma fuga "impossível".."Faço o que me dá na real gana para ajudar a compor a personagem. Avisei logo os produtores deste filme que não queria cá relutâncias! Por isso, para ajudar nas cenas em que a personagem está na solitária, estive 8 dias sozinho, sem comer ou beber. Não é que o quisesse, mas ajuda. Ajudou! Passei o tempo todo numa casa a chorar e a fumar", começa por nos dizer num sotaque britânico nada "posh". Mais amostras do seu desplante? "Compreendo tão bem a razão pela qual o Daniel Day-Lewis decidiu deixar de representar. Logo ele!! Mas nunca fui tão extremista quanto ele - estou num patamar abaixo! Quando me submeto a esses sacrifícios todos sei bem o quão difícil é voltar cá para cima... Demoro muito tempo a voltar a sentir-me bem. Chiça! Ele fica três anos a trabalhar num projeto, coitado!! Deve ser horrível afastar todo aquele sofrimento, ui!!", diz-nos quase a chorar. O senhor Hunnam é mesmo emocional, chegamos a pensar que um jornalista é um instrumento para psicoterapia..A fúria que conhecemos dele da série Sons of Anarchy ou do seu Artur em Rei Artur, de Guy Ritchie, é legítima. Charlie veio do nada, cresceu numa família pobre, não teve a ajuda de ninguém e sobreviveu a muita violência e ao baque de ter um pai na prisão. O oposto da geração de atores com aura aristocrata como os jovens Sam Cafllin ou mesmo Benedict Cumberbacht: "consegui sobreviver porque observava tudo de forma existencial. Acreditava que tinha de haver algo mais na vida. Para me abstrair de todo aquele mal-estar familiar tornei-me num cinéfilo maluco. Todo o dinheiro que conseguia era para comprar VHS's, via três filmes por dia! Nem estudava nem nada! Trabalhava para poder comprar filmes em cassetes de vídeo. Lembro-me de o meu irmão, que eu odiava, ter uma conversa de pai para filho comigo! De certeza que foi a pedido da minha mãe, céus!! Depois deu-me uma estalada e obrigou-me a ir para a escola, dizendo-me que só poderia perseguir o meu sonho depois de acabar de estudar. Hoje tenho uma relação estupenda com ele!"..Ainda sobre Papillon, garante que o melhor é olhar para este filme como se o clássico de 1973 não existisse. Diz que são coisas diferentes e talvez tenha razão, sem que isso seja muito lisonjeador para esta nova versão. "Isto não é um remake! É uma adaptação do livro que mais vendeu em França depois da Bíblia, ok!?", frisou com cara de poucos amigos..Agora, se tudo lhe correr bem, quer também deixar de ser estrela e passar para a realização. Por esta altura vai aprendendo com os realizadores que o dirigem, mas também com aqueles que o tratam mal, como Michael Mann, o realizador de Heat: "esse tipo é uma besta, como todos sabem. Não foi nada fixe comigo, mas disse-me que um argumento meu tem de funcionar na sua essência. A história se for boa dá para situar o filme no meio do Oeste americano ou na bolsa de Wall Street. Fiquei-lhe muito grato pela dica". Na verdade, o cinéfilo que há em Charlie nunca quis ser ator, mas somente realizador e argumentista. O aspeto de ídolo de matinés é uma praga....Mesmo assim, confessa que já ficou com ciúmes de Ryan Gosling por ter ficado com um papel que queria: "no passado isso deixava-me remoído de raiva. Agora nem por isso... O pessoal que trata da minha carreira tem um medo do caraças de que eu os despeça e nem se atreve a mostrar aquelas propostas que não estão completamente seguras... Se calhar, essa rede é uma desvantagem. Na volta, até poderia tentar lutar pelos projetos que me apetecem mais fazer. Bem, a verdade é que 20 anos depois já não tenho pachorra para audições ou reuniões onde tenha de aturar cabrões de Hollywood". Lembro-lhe que ainda passa por jovem e que não deveria abusar do discurso de veterano. O que lhe fui dizer... "Meu, estou com vinte anos de carreira! Digo isto de forma enfática porque também estou surpreendido como o tempo passa... Por exemplo, estou aqui a dar entrevistas e já não fico nervoso, estou a marimbar-me - isto não tem nada a ver comigo! Antes ficava aflito a tentar perceber o que iria vestir e coisas desse tipo, agora limito-me a aparecer e a conversar na boa. O que para mim conta é o processo das filmagens e aí dou o meu melhor, todos os dias! Se vocês não gostarem do filme, paciência... Para o ano já estou a promover outro filme e as pessoas esquecem-se deste. Mas, se calhar, nem volto a fazer filmes"..A verdade é que este ano, em Toronto, um dos filmes mais esperados é com ele, o drama de junkies, A Million Little Pieces, de Sam Taylor Wood. Charlie Hunnam felizmente deu o dito por não dito..Rei Artur? Também não lhe falem disso.Um dos papéis mais mediáticos do ator foi em Rei Artur- A Lenda da Espada, de Guy Ritchie. Para ele foi uma experiência que provavelmente não vai querer repetir: "foi frustrante! Gosto do pessoal que fez o filme mas foi tudo muito indisciplinado e confuso. Meu deus, como foi possível haver 175 milhões de dólares para aquilo!! Se me tivessem posto numa sala três dias com os produtores teria conseguido que o orçamento tivesse ficado nos 90 milhões... O sistema está feito para quanto mais pessoas sacarem dinheiro, melhor. Filmes deste tipo deixam-me lixado! É por filmes como Rei Artur que me apetece desaparecer". Charlie não tem realmente papas na língua.