Este canadiano pôs um hipopótamo a andar por Lisboa e a nadar no Tejo
Quando era criança em Toronto, enquanto os amigos iam para o summer camp - o campo de verão -, as férias de Frank Alvarez eram em Portugal. Os pais, ela alentejana, ele de Melgaço, conheceram-se em Lisboa e em 1964 emigraram para o Canadá. Passadas mais de quatro décadas, o filho decidiu fazer o percurso inverso. Demitiu-se da empresa de consultoria onde trabalhava e em 2008 chegou a Lisboa com duas malas e muita vontade de montar o seu próprio negócio. O que não imaginava era que seriam precisos 53 meses, muita burocracia e ainda mais persistência para cumprir o sonho de pôr um autocarro no rio. Em maio de 2013, o Hippotrip levava os primeiros portugueses a ver Lisboa do Tejo e hoje já pensa até expandir-se para fora de Portugal.
Durante um processo em que teve de lidar com sete entidades diferentes e em que ele próprio construiu a rampa que permite aos autocarros amarelos com o hipopótamo entrar no rio, Frank admite que chegou a pensar desistir. "Tantas vezes!", diz, sentado numa esplanada junto à doca de Santo Amaro de onde os veículos partem. Houve mesmo um dia em que teve o que define como um break down. "Depois de várias reuniões muito más, estava no Pingo Doce e cheguei onde têm o atum. No Canadá tens uma ou duas opções de atum. Lembro-me de chegar lá e tinha atum com água, atum em posta, atum em filete, com pimento, com azeitonas... Havia umas 20 opções. Comecei a chorar. Agarrei numa, cheguei a casa e a minha mulher, Joy, ouviu a história e disse: "Não é o atum, percebes que não é o atum, certo?" Era frustração."
Mas tudo acabou por se resolver e hoje o Hippotrip é um sucesso. "No mês passado chegámos aos 200 mil passageiros", explica com orgulho, rindo-se dos tempos em que o achavam doido por querer meter um autocarro no Tejo. E aproveita para esclarecer, entre risos: "Não entramos no Tejo num autocarro, aquilo é um barco. Andamos é em terra num barco."
A ideia nasceu em Boston, quando estudava na Universidade de Harvard. Foi ali que tirou o mestrado e quando o visitavam os amigos queriam sempre fazer o Duck Tour no rio Charles. Então porque não levar o conceito para Lisboa? Além do mais Frank sempre quisera viver na Europa. E depois de uma passagem por Barcelona na faculdade e de três anos a trabalhar na Holanda, percebeu que em Portugal não se sentia "um convidado", sentia-se português. O pato (duck, em inglês) é que não lhe agradava para dar nome ao seu projeto, por isso começou a procurar outros animais anfíbios e por se fixar no hipopótamo, de que gostava.
Criado em Toronto, onde depois da escola canadiana todos os dias tinha a escola portuguesa, Frank confessa que odiava esses momentos que o mantinham longe dos amigos. Como odiava as sandes de carne com cebola caramelizada que a mãe lhe mandava para a escola por serem tão diferentes das sandes de queijo e fiambre dos amigos. "Hoje pagava dez euros por aquilo!", exclama. E aos 41 anos confessa que gosta não só da simpatia do povo português como até do caos do país e do espírito de desenrasca. "Já estou cá há nove anos, os meus filhos são portugueses, pago os impostos em Portugal, o meu dia-a-dia é aqui. Sou português. Vou a um restaurante, tenho o meu sotaque, mas sinto-me confortável."
A família também gosta, a começar pela mulher. Americana de Pittsburgh, Joy trabalhou na Holanda durante 11 anos. Mas foi já depois de Frank se mudar para Lisboa que os dois se conheceram numa festa de Halloween, numa visita do canadiano a Amesterdão. "Estava vestido de génio da lâmpada e ela estava vestida como aquelas senhoras da cerveja na Baviera", lembra Frank. A relação começou à distância, mas Joy acabou por se mudar para Lisboa, onde o casal vive com os dois filhos, Alegria (a versão portuguesa do nome da mãe) e Amadeu, de 4 e 2 anos e meio.
Apesar de 70% dos seus clientes serem portugueses, Frank será a última pessoa a queixar-se de Lisboa agora estar na moda com os turistas. Então e o Canadá? "Está na moda cada vez mais por causa do nosso primeiro-ministro, Justin Trudeau", admite Frank, que se confessa "fã" do líder liberal em quem até votou. "Não só ele tem todas as fãs que acham que ele é jovem e fixe. Mas é também o oposto de Trump. Com o mundo fixado à volta de Donald Trump, a liderança tem de vir de outros lados", afirma.