Estar, tipo, só a existir

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"A preguiça também são férias." Ouvi há umas semanas Siza Vieira dizer no seu tom roufenho, quando a jornalista da TVI lhe perguntava pelos tempos livres, quase no final de uma entrevista pausada. "Preguiça também são férias", dizia o arquiteto. E eu tomei nota numa folha digital.

Volto a ela neste agosto ronceiro que permite a alguns andar mais devagar. Siza refletia, serenamente, como a idade o fez "reformar-se" das férias agitadas que fazia com os amigos, e como já não vai à praia nem vai nadar porque... tem preguiça. Mas "a preguiça também são férias", concluiu.

Lembro-me, então, da Preguiça moldada em barro por Júlia Ramalho. A artesã de Barcelos deu forma a uma preguiça animalesca, áspera, que interpela e desconcerta - como, aliás, todo o figurado de Barcelos. Uma Preguiça de quatro braços, dois que seguram uma cria, dois que tapam os olhos, como que negando esse cuidar vital (um dos Sete Pecados Capitais em barro vidrado, que vale a pena visitar no Museu de Olaria, em Barcelos).

Procuro-a e olho-a, pensando na frase do Pritzker. E depois em algo que ouvi várias vezes durante parte da vida: não devemos fazer a vontade ao corpo. Muitas vezes queria andar mais devagar (ou mesmo não andar) e ouvia: não se deve fazer a vontade ao corpo. Ou seja, não se deve preguiçar. Podia ser verdade, à força de ser uma mentira repetida muitas vezes. Felizmente não é.

"A preguiça também são férias." Siza, magistral, desenhou outra das suas esculturas. A preguiça veste linho esvoaçante e deixa o vento despenteá-la.

Estas férias, enquanto boiávamos no oceano, a Alice disse: "Boiar é estar, tipo, só a existir." E preguiçar também pode ser estar, "tipo, só a existir". Será que conseguimos?

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