Estar sob stress e ser desafiado. É a vida dos controladores e eles gostam
Uma porta blindada, uma sala ampla onde se destacam dois sofás (um em cada ponta de uma ilha com computadores), ecrãs com os contornos de Portugal, linhas com códigos impercetíveis para leigos, muita luz e silêncio. É este o ambiente que se vive num dos locais estratégicos do país: o centro de controlo de tráfego aéreo do Aeroporto Humberto Delgado. Aqui não se ouve muito barulho, a concentração dos controladores de tráfego aéreo é grande e as ordens dadas aos aviões que utilizam o espaço aéreo português não são ouvidas por quem entra na sala. Aliás, nem as ordens nem mais nada, tal o silêncio que ali se ouve.
Esta sala, situada num edifício da NAV - Navegação Aérea de Portugal perto do aeroporto de Lisboa, não tem o glamour das torres de controlo que se avistam junto às pistas dos aeródromos e que são associadas ao controlo de tráfego aéreo, incluindo nos filmes. Aqui há luz do dia, e artificial, mas não se veem aviões. Estes são substituídos por linhas em ecrãs de computador, mas é neste espaço que se gere as rotas e a passagem das aeronaves por Portugal continental e Região Autónoma da Madeira. Por oposição ao computador que reina neste centro, quem trabalha na torre de controlo faz uma gestão mais visual da aproximação, aterragem, descolagem e movimentação na pista - Lisboa só tem uma disponível - do aeroporto. E há ainda a região de informação de voo de Santa Maria (Açores), que gere o tráfego até meio do oceano Atlântico. Depois passa os aviões aos controladores de Nova Iorque (EUA).
Em comum as torres e o centro de controlo têm a pressão de gerir aeronaves com centenas de pessoas, ao mesmo tempo que são cada vez mais pressionados devido ao aumento de tráfego nos aeroportos nacionais, nomeadamente em Lisboa (no primeiro semestre do ano teve uma média de 523 movimentos, a soma de aterragens e descolagens por dia), que tal como no Porto é cada vez mais procurada pelos turistas. A título de exemplo, no ano passado a torre de Lisboa controlou 182 930 movimentos e a do Porto 92 576 - e em ambos tem sido sempre a aumentar os movimentos desde 2001.
"Ver se tinha capacidade. Correu bem"
Perante este cenário, os controladores desvalorizam a pressão e até dizem gostar da pouca monotonia que vivem.
"Todos os dias é diferente. É desafiante e gosto disso", garantiu ao DN Ana Santiago, controladora de tráfego aéreo há nove anos - três em Santa Maria e seis na torre de controlo de Lisboa.
No seu local de trabalho vê os aviões, ao contrário de Hugo Ângelo, outro profissional que se diz apaixonado pela aviação e que está as oito horas de trabalho - à exceção dos tempos de repouso obrigatório - no centro de controlo a ver a movimentação das aeronaves num ecrã de computador com códigos que identificam, por exemplo, a companhia aérea e o voo. Aqui, a sua ligação às aeronaves é feita com recurso ao radar.
Na torre, Ana tanto pode estar como responsável pela movimentação das aeronaves na pista, desde a aterragem até ao controlo da sua ida e saída dos locais onde ficam estacionados, como a fazer o planeamento das aeronaves que vão sair e entrar do aeroporto.
A sua ligação a esta profissão surgiu naturalmente: "O meu pai era controlador de tráfego aéreo, eu conhecia minimamente a profissão e decidi ver se tinha capacidade. Correu tudo bem até hoje", contou ao DN.
Percurso diferente teve Hugo Ângelo, que também é membro da Associação Portuguesa de Controladores de Tráfego Aéreo: "Interessei-me pela profissão porque tinha uma espécie de paixão pela aviação em geral, a minha formação inicial é engenharia aeroespacial. No final do curso comecei a procurar opções na área da aviação em Portugal. O controlo de tráfego aéreo acabou por surgir como uma opção de forma natural."
Ana (34 anos) e Hugo (36) são dois dos 283 controladores que trabalhavam para a NAV no final de 2016, um grupo maioritariamente constituído por homens (82%-18%), o que é explicado pela NAV com o facto de sempre que há um concurso existir poucas candidaturas femininas. Quanto a vencimentos não há valores fixos pois depende de onde estão colocados e dos subsídios, mas é uma profissão bem paga, até porque também é considerada uma das mais stressantes do mundo.
Preparados para a pressão e confiantes
Ter no ecrã do computador, ou no alcance da visão, a vida de centenas de pessoas não é um tema que preocupe os dois controlares que falam das suas experiências numa sala num piso superior ao centro de controlo, pois lá em baixo não pode haver muita conversa. "Desde cedo que somos ensinados a viver sob pressão e a lidar com ela", diz Ana Santiago. "Há um certo stress, temos de fazer um bom trabalho e somos desafiados a fazê-lo. Não vimos isso como algo negativo. A recear. Até pelo contrário", acrescenta Hugo Ângelo.
E nem o aumento que se tem registado no tráfego aéreo em Portugal os assusta. Até porque atualmente as horas de ponta no aeroporto são quase contínuas, ao contrário do inverno. "Claramente [períodos de maior tráfego] o início da manhã, a hora do almoço e o final do dia são os momentos de maior tráfego na torre", exemplifica Ana Santiago. O mesmo acontece no centro de controlo onde está Hugo.
"Antes do verão tivemos uma reciclagem em que foram relembrados os mecanismos de descanso, de descompressão do stress que temos de gerir neste período. Há uma preparação para situações que possam surgir ["no inverno essa reciclagem incide também sobre os cuidados a ter por causa do nevoeiro, por exemplo"]", garante Ana.
Hugo defende a mesma ideia: "Quando começamos a trabalhar [após o curso de ano e meio e a fase de qualificação em que são acompanhados por um instrutor] sinto que estamos muito bem preparados, muito bem treinados para poder lidar com isso. Acho que nenhum controlador de tráfego aéreo se sente numa posição preocupada com o facto de estar a controlar não sei quantos aviões, com não sei quantos passageiros. Conhecemos muito bem as ferramentas com que trabalhamos. Suportamos muito bem o stress, diria que muitos de nós até gostam. É uma coisa positiva." "Além disso temos treino todos os anos, vamos para simuladores durante vários dias. Portanto, estamos muito bem preparados para lidar com o aumento de tráfego ou com situações anómalas", acrescenta Hugo.
Há um outro ponto em que concordam: a pressão que vivem no trabalho não afeta a vida lá fora. "Acho que tenho uma vida normal. Há uma fase de adaptação, que todos passamos durante aquele curso de ano e meio, e depois quando somos colocados pela primeira vez. Temos de trabalhar por turnos, saber lidar com os descansos, trabalhar aos fins de semana, natal, fim de ano, aniversários de familiares. Mas é uma adaptação rápida", diz, pelos dois, o controlador mais experiente - exerce há 11 anos, destes, tal como Ana, três passados nos Açores.
Regressamos às motivações para esta profissão. Se Hugo referiu o gostar da aviação, Ana acrescenta o desafio: "Claramente somos pessoas que gostam de ser desafiadas a fazer o que sabem. Temos de estar sempre a estudar porque as coisas estão sempre a mudar. Tem de ser assim: gostar do stress, do desafio e gostar de aprender todos os dias."