"Estamos a assistir a um futuro em que as principais atividades serão realizadas por máquinas e robôs"

O professor da Harvard Business School Karim Lakhan esteve nas Conferências do Estoril a desmistificar o uso da Inteligência Artificial. Apesar dos receios da maioria, o especialista em inovação e tecnologia acredita que os líderes e políticos devem apostar no uso da IA.
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Visto que as Conferências do Estoril se focam num "Futuro de Esperança", na sua perspetiva, como será o futuro? Há uma tendência para que seja quase totalmente digital?
Sim, aliás, penso que há dois potenciais cenários. Na minha opinião, com a Inteligência Artificial (IA) e o digital há um cenário que é muito sombrio, que prevê perdas massivas de emprego e uma visão distópica do mundo. Há também um cenário de abundância, em que os humanos podem fazer mais com a IA do que era possível antes, quase 10 vezes mais em termos de produtividade. Por isso, estou no campo dos otimistas. Acho mesmo que, com a IA, os humanos vão fazer mais. É como a revolução agrícola que aconteceu quando, com as máquinas e a industrialização, conseguimos produzir muito mais alimentos do que o mundo precisa. E, ainda hoje, há muito mais comida disponível... é apenas uma questão de distribuição desses alimentos às pessoas. Assim, tal como a revolução industrial e a revolução agrícola tiveram um enorme impacto na humanidade, penso que a revolução da IA também tem esse potencial, mas exigirá que os líderes, tanto políticos como empresariais, não tenham uma mentalidade de escassez, que conduzirá à distopia, mas sim que tenham uma mentalidade de abundância.

Na sua opinião, quais são os perigos dos avanços tecnológicos?
Penso que o problema é que a tecnologia avança exponencialmente e as nossas instituições expandem-se, avançam de forma linear. Por isso, esta curva exponencial de crescimento da tecnologia e das capacidades, assim como o crescimento linear das instituições, causa problemas. Por exemplo, sabemos que, ainda hoje, a nossa política vai mudar, porque agora podemos utilizar a IA para gerar as imagens que quisermos, as campanhas que quisermos, a uma escala exponencial. Como é que a nossa política vai lidar com isto? Ainda não sabemos, mas os nossos políticos vão só reagir em vez de dizer: "Vamos aprender e adaptarmo-nos a isso." Da mesma forma, preocupamo-nos muito com a desinformação, mas como é que se vai lidar com a desinformação? Porque agora toda a gente pode ter uma máquina de desinformação que pode crescer exponencialmente. Este é o lado mau, mas podemos utilizar as mesmas ferramentas para combater a desinformação e para encontrar soluções melhores para os problemas que as pessoas enfrentam.

Relativamente a tecnologias como o ChatGPT acredita que a sua utilização deve ser limitada ou devemos incentivá-la?
Não, acho que a devemos encorajar. Acredito que o problema é que não podemos desejar que desapareça, não podemos esperar que desapareça. É como o vento, certo? Não se pode lutar contra ele, não se pode empurrar contra ele. Já está a mostrar muitos benefícios em muitos cenários diferentes e foi como a Internet, como se não a pudéssemos parar, porque as pessoas viram demasiado potencial nela. As pessoas também a exploraram para coisas más, é essa a história da tecnologia. Podemos usar um carro para transportar ou para bater em alguém e magoar essa pessoa, o mesmo acontece com estas tecnologias. Não creio que as possamos limitar. Penso que, em muitos aspetos, é demasiado tarde para as limitar e sou um grande adepto do código aberto. Por isso, penso que precisamos de modelos de código aberto para a tecnologia que está a avançar.

E, na sua opinião, como é que a IA está a mudar as empresas?
Escrevemos um livro em 2020 chamado Competing in the Age of AI, onde descobrimos que os gigantes da tecnologia da atualidade, como o Google, como o Facebook, como a Amazon, como a Microsoft, realmente pegaram na IA e tornaram-na no centro dos seus negócios. Se pensarmos no funcionamento de uma Uber ou de uma Airbnb, a maior parte do trabalho é feito por IA e máquinas. Assim, estamos a assistir a um futuro em que os humanos estarão na margem, porque as principais atividades serão realizadas por máquinas e robôs e os seres humanos terão de descobrir como controlá-los, como implantá-los, como monitorizá-los e assim por diante.

Então até as pequenas empresas devem investir mais em IA?
Sem dúvida. Há uma enorme oportunidade para as pequenas empresas. Por exemplo, se pensarmos no serviço ao cliente, no marketing, na cadeia de abastecimento das pequenas empresas, existem grandes oportunidades para a sua implementação e até é gratuito. Basta ir ao Bing para a Microsoft e utilizá-lo para criar as suas comunicações de marketing para as suas traduções, ideias sobre como melhorar o seu serviço. O Bing é uma ótima ferramenta, um parceiro de ideias para as empresas.

E quanto às escolas? Acha que a IA também está a mudar a educação?
É uma mudança enorme. Um grande impulso tecnológico que ocorreu nos anos 70 e 80 foi a utilização de calculadoras na sala de aula e houve muita controvérsia sobre se se podia usar calculadoras na sala de aula de matemática. Muitas pessoas disseram que não, que seria o fim das pessoas a fazer matemática, mas aprendemos que podíamos fazer até mais matemática com as calculadoras. Na minha opinião, a IA generativa vai fazer o mesmo com o ensino e a aprendizagem, vai transformá-lo em grande escala. Ainda não sabemos como, mas penso que o exemplo da calculadora nos dá alguma esperança quanto à forma como temos de ser capazes de a adotar e de a utilizar ao longo do caminho, mas vai mudar. Vai mudar radicalmente. O que espero é que possamos fazer mais como educadores, que possamos fazer mais nas nossas salas de aula. Diria que mais do que pensávamos ser possível em todas as salas de aula, não apenas numa sala de aula de tecnologia, mas em humanidades, em música, etc., em todas as salas de aula podemos ver isto a surgir.

ines.dias@dn.pt

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