"Estados frágeis têm de ser donos do seu próprio desenvolvimento"
O G7+ foi fundado em Díli em abril de 2010, na sequência de uma conferência da OCDE que ali se realizou sobre a construção da paz e do Estado. Nessa reunião foi aprovada a chamada Declaração de Díli, em que, entre outras situações, se sublinha a importância de serem os próprios Estados frágeis a discutir os seus problemas e a manter um fórum para esse efeito, com espírito de solidariedade e de cooperação mútua, explica o secretário-geral da organização, o timorense Hélder Costa, numa entrevista concedida em Lisboa, onde o G7+ tem o seu secretariado. Fundado por sete Estados, a organização conta hoje 20 Estados membros.
Que prioridades e objetivos prossegue o G7+?
Neste momento, a prioridade é dada à construção da paz e do Estado. Na cimeira de 2011, em Bissau, foi criado um novo enquadramento para a ajuda externa designado novo acordo para uma parceria global e desenvolvimento sustentável dos Estados frágeis [em inglês, New Deal for Engagement in Fragile States], baseado no princípio "nada sobre nós sem nós". Nós temos de ser donos do nosso próprio desenvolvimento. Em caso de assistência externa, os doadores têm de ouvir os líderes do país e toda a sociedade para decidir o tipo de ajuda, que deve ser baseada em programas elaborados pelo próprio país.
O G7+ considera que o modelo de ajuda externa não é o mais adequado tal como existe?
Exatamente. Por isso estamos a desenvolver este novo modelo de diálogo com os países doadores. O que dizemos é que eles têm de conhecer bem os desafios de cada Estado frágil. Não pode ser o médico a decidir qual é o problema do doente.
Muitos membros do G7+ vivem situações de conflito, guerra ou crises políticas. Como se responde perante situações tão diversas?
Desde o início temos promovido o conceito de cooperação Estado frágil-Estado frágil em quatro áreas pertinentes: paz e reconciliação, a gestão de eleições democráticas e pacíficas, a gestão de recursos naturais, a gestão e partilha de missões de forças de manutenção de paz com as Nações Unidas em Estados frágeis. E temos casos de grande sucesso nessas missões: Serra Leoa, Haiti, Libéria, Costa do Marfim e as ilhas Salomão, por exemplo. Podemos partilhar o que funcionou bem, o que funcionou mal. São experiências importantes.
Mas é preciso identificar as raízes dos conflitos?
Sem dúvida. Estas são endógenas e exógenas. Veja-se o Afeganistão: além de questões internas, como o terrorismo, há fatores externos, como a influência de potências como os EUA, a China, o Paquistão, a Índia e outros. Por vezes, é difícil atuar. Noutros casos, como o da Guiné-Bissau e da República Centro-Africana (RCA) foi possível a normalização institucional. Uma das lições que aprendemos é que tem de haver um diálogo franco, aberto, com confiança. Se não houver confiança não se vai a lado nenhum. No caso da RCA trouxemos os protagonistas políticos e as chefias militares para fora do país para fazer um diálogo num local neutro. Fizemos diplomacia informal e foi possível estabelecer um roteiro. Um fator importante foi as negociações terem decorrido fora da RCA; lá dentro, estariam sujeitas a enormes pressões.
O diálogo é a chave do sucesso?
Deixe-me dizer que no recente relatório do ex-primeiro-ministro britânico David Cameron e do antigo presidente do Banco Africano de Desenvolvimento, Donald Kaberuka, sobre "As Armadilhas da Fragilidade", uma das recomendações centrais é a aposta na reconciliação e no diálogo para a paz, e na importância de eleições livres e justas. Precisamente aquilo que têm sido as prioridades do G7+ há vários anos. Há vários casos práticos, de Timor-Leste à Guiné-Bissau e à RCA.
Há um exemplo prévio à própria criação do G7+: a comissão para a verdade e reconciliação na África do Sul.
Esse modelo serviu de inspiração para algo que fizemos em Timor-Leste e que foi o processo de reconciliação entre os timorenses mas também regional, com a Indonésia, necessária devido ao período da ocupação. Foram reconhecidos os erros do passado e os dirigentes timorenses e indonésios apostaram claramente no futuro.
É possível identificar elementos comuns nestes conflitos?
Há os fatores internos e externos. E as soluções. Desde que haja boa vontade política. Vou dar um exemplo: quando estivemos no Sudão do Sul em 2013 não identificámos o conflito, o atrito que iria surgir pouco depois entre o presidente Salva Kiir e o vice-presidente Riek Machar, ambos do mesmo partido. E no espaço de duas semanas estalou a guerra civil. Porquê? Por questões de ego e de interesse pessoal. Que é um fenómeno muito frequente nos países frágeis. Também existe em Timor-Leste. E aqui é que a mediação de pessoas neutras, sem agenda própria, com reputação de conciliadores, pode ser decisiva. E tem de haver confiança, se não houver confiança não haverá resultados positivos.
Mas há conflitos em que vários fatores, étnicos, ideológicos ou outros, tornam impossível ou muito difícil chegar a negociações e à criação de confiança...
Tem de se saber criar medidas de construção de confiança. Veja-se a Guiné-Bissau. A certo momento, era visto como um caso perdido por todo o mundo. Timor-Leste tomou então a iniciativa de encontrar uma solução para essa crise e explicar aos guineenses que, a não haver solução, as consequências seriam negativas para todos.
A crise política em Bissau pode considerar-se ultrapassada?
A solução, em última análise, está nas mãos dos líderes políticos do país. Não seremos nós a influenciar o que eles querem. O que fazemos é ajudar a encontrar soluções e a evitar os círculos viciosos do passado.
Como timorense, como vê a crise política que se vive no seu país?
A crise acabará por ser ultrapassada. O que é preciso compreender é que isto é algo que só interessa e preocupa as elites. A população quer é uma vida melhor, o que não está a suceder neste momento. Penso que os líderes acabarão por encontrar uma solução.
A questão da necessidade de mudança de líderes, algo de que se fala ciclicamente em Timor-Leste, não estaria na ocasião de suceder? A liderança política é praticamente a mesma desde os tempos da guerrilha.
A transição geracional é algo de que já se fala há bastante tempo. Agora, a questão é se há vontade dos líderes políticos para o fazer. Mas é preciso pensar que estamos perante ex-guerrilheiros e outros da época da resistência que consideram ter certos direitos. O que sei é que os líderes têm defendido uma transição geracional a partir dos próprios partidos.
Em situações de guerra aberta, a prioridade deve ser a pacificação de um país ou, apesar do conflito, deve apostar-se no combate à pobreza, no apoio à educação, à saúde, a projetos de desenvolvimento?
É evidente que não há paz sem desenvolvimento. Mas também não haverá desenvolvimento se não houver paz. E para a paz tem de haver segurança, é uma condição sine qua non. O fracasso dos Objetivos do Desenvolvimento derivou de não se ter privilegiado o suficiente a paz e a estabilidade. Nenhum desses objetivos foi concretizado nos Estados frágeis. Por isso, nós no G7+ insistimos na importância da paz, da estabilidade. A insegurança é um fator de perturbação que compromete qualquer hipótese de desenvolvimento.
Diria que há diferenças de abordagem nas crises entre aquela que é feita pelo Conselho de Segurança da ONU e os métodos do G7+?
Recordo que houve um encontro em abril entre o representante do G7+, Xanana Gusmão, e o secretário-geral da ONU, António Guterres, em que foi analisada a questão da segurança e da prevenção de conflitos. No próximo ano, haverá uma reunião a nível ministerial do G7+ e iremos discutir propostas a apresentar à ONU neste quadro. Queremos ser um parceiro estratégico na resolução de conflitos. Há complementaridade nos nossos métodos.
No espaço do G7+ pode dar alguns exemplos de sucesso na gestão de conflitos e também de um caso que não tenha corrido bem?
Serra Leoa, Timor-Leste, Haiti, Libéria, Costa do Marfim e as ilhas Salomão. Tiveram missões de manutenção de paz e as crises foram ultrapassadas. Essas lições estão a ser sistematizadas e serão apresentadas à ONU, como já disse. Quanto a um fracasso, temos dúvidas sobre a Guiné-Bissau. A ONU ainda mantém uma missão no país, e se isso sucede é porque algo não está ainda a correr bem. Posso também citar o caso da Somália ou da RD Congo, onde persistem crises sérias, por vezes em relação até com a importância que têm os recursos naturais em certos países, como a RD Congo, onde a influência de grandes multinacionais e de outros interesses é conhecida.
A crise na RD Congo resulta também da presença desses interesses estrangeiros?
Interesses que não são só económicos, também são geopolíticos. E não só a RD Congo. Outro exemplo é o Afeganistão, um dos maiores produtores mundiais de ópio, o que origina a existência de muitos interesses, de agendas muitas diferentes, mesmo das grandes potências e dos poderes regionais. Por isto tudo, o processo de paz não tem avançado. E é difícil que avance.