Esta graçola que é governo – e que está a destruir o PS

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Não deixa de ser francamente exótico, pelo menos na aparência, que pessoas como, por exemplo, António Costa e Silva ou Elvira Fortunato, sejam membros do governo. Pode ser uma questão de ponto de vista. Como sabemos, o que vemos, depende sempre de onde se vê. Mas, vendo francamente de fora, não deixa de ser estranho.

Tanta gente, boa, qualificada, com ideias e com capacidade de as implementar, que recusou ser ministro - e, tant pis, há esta coisa, que chamamos de governo, e que mistura, à saciedade, pessoas que nunca trabalharam na vida com colegas de baralho que têm uma vida toda de trabalho que por eles responde e que os elevaria acima da realidade dessa mediana circunstancial.

O problema nem será o ministro Galamba, que, sabemos e é público, como o deve ser, nunca trabalhou e, na verdade, bem se esforçou, em ímpeto heterocaridoso, para ser novamente colocado nas listas do PS em 2015, como candidato a deputado, coisa que não era então óbvia. Mas, pronto, algo terá conseguido, como conseguiu, em vez de ter enviado currículos, durante uns tempos, para cargos compatíveis com as suas qualificações e capacidades. Aliás, só escrever o "ministro Galamba" é já uma graçola, mesmo que todos os seus despachos, futuros, sejam muito acertados.

Tenho uma virtude, recente, que é não o conhecer. Qualquer pessoa com sentido de dever institucional, e menos desespero, teria feito o que supostamente quis fazer, e nunca teria deixado que fosse, ele próprio, convertido num dildo de diversão constitucional, proto republicana, entre primeiro-ministro e presidente da República, esse novo duo de cabaré, grotesco e ocasional, dos últimos tempos. Como todos os dildos sabem, acabam invariavelmente usados - e sem pilhas. Mas pode suceder também que esse destino seja um último desígnio e, nesse momento, quem tenha de reportar sobre o assunto sejam entidades mediúnicas e não simples escribas em papel de jornal.

O Partido Socialista e o primeiro-ministro que se podem dar ao luxo de não colocar num governo de maioria absoluta pessoas, por exemplo, como Alexandra Leitão ou Eduardo Cabrita, que assegurariam, mesmo que sem unanimidade ou sem até um frisson comparável ao das Doce no seu apogeu, na imprensa e nas redes sociais, que algo seria feito, de bom e perdurável, são uma estranha caricatura de poder reformista e fundamental na decisão pública. Claro que, como todos os que não se abstêm de o fazer, isso traria problemas e dificuldades. E, pelos vistos, é muito melhor ter figuras que, sem currículo profissional, sem autonomia, sem liberdade, de facto, são só caricaturas absurdas ao serviço de um mandarim, já sem rei nem roque. Ou, já agora, alguém de senso mediano acredita que Pedro Nuno Santos, esse recente santo, decidiu, por algumas horas, a maior obra pública dos últimos séculos sem o acordo do primeiro-ministro?

Os números gerais da economia parece que estão fantásticos. E anda-se a despejar dinheiro, qual betoneira em fim de vida, sobre algo que ninguém sabe o que é. Afinal, nas últimas décadas, todos nós nos esforçámos, todos, para tornar Portugal numa espécie de Disneylândia latina, barata e conveniente, para tanta gente no mundo. Aí está - conseguimos: para todos os turistas, investidores, fundos internacionais, lavadores de grana de origens diversas e afins. Só que parece que as pessoas, que aqui vivem, estão com dificuldades para comprar peixe, carne, fruta, esses adereços, burgueses, europeus. E é-lhes até difícil pagar a prestação do crédito habitação, esse bónus aparentemente eterno, sempre intermediado pelo Estado, que quase duplicou a prestação no último ano. Ou é-lhes impossível arrendar uma casa, nem sequer no centro de Lisboa, até a vinte ou trinta quilómetros.

E a alternativa, mais imediata, não pode ser o PSD de Luís Montenegro. Não é por nada - mas é por tudo, o que já sabemos e o que intuímos. Pode ser até que suceda esse absurdo, mas, aparentemente, terá tudo para correr mal. Poderia explicar-se de modo mais detalhado esta convicção, mas parece que não é necessário: basta, na verdade, ouvir o líder do PSD, quando fala. Ou a sua entourage próxima, tão brilhante e versada na causa pública quanto este napoleónico causídico de Espinho. Haja, assim, beatitude suficiente para aceitar o que não compreendemos - mais uma vez.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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