Esta cidade não é para carros velhos, que pagam IUC e passam na inspeção

Mais de duas centenas de carros com matrículas anteriores a 2000 entraram ontem na Baixa de Lisboa em marcha lenta. Se fosse durante a semana seriam multados.
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No próximo mês de agosto, José Rui vai ter de levar o carro à inspeção. Um ritual que se repete todos os anos porque a idade do seu Volkswagen Polo assim o obriga. Nascido em 1999, o carro conta apenas com 76 mil quilómetros. Se estivesse à venda num stand, muito provavelmente o vendedor diria "está impec"! Mas para a Câmara Municipal de Lisboa o carro de José Rui está velho, demasiado velho para circular na histórica (velha) Baixa. Mas ontem houve uma exceção: mais de 200 carros com matrícula anterior a 2000 desfilaram em protesto pela Baixa.

A maioria dos manifestantes não era proprietária de carros clássicos, mas sim de vulgares utilitários que usam no dia-a-dia na cidade. Só que, com a entrada em vigor da norma camarária a 15 de janeiro, a autarquia limitou a circulação de veículos com matrícula anterior a 2000. "Isto afeta a vida de centenas de pessoas que não podem de um momento para o outro trocar de carro e precisam dele para trabalhar", diz José Rui, 40 anos, ao mesmo tempo que dá boleia ao DN durante o percurso do protesto que começou e terminou no Parque Eduardo VII, passando pelos Restauradores e Rua do Ouro. "Ainda por cima o argumento da poluição não colhe: este carro vai todos os anos à inspeção e passa sempre nos testes às emissões de CO2". Ou seja, conclui o "motorista" do DN: "Está bem para a inspeção, que tem como função averiguar isto, mas está mal para a câmara", diz José Rui, uma das centenas de pessoas que precisam do carro, já que trabalha na área dos espetáculos. "É andar de um lado para o outro, de teatro em teatro." Muitos deles na Baixa lisboeta.

O Renault Clio de Maria Eliseu, 61 anos, também é um dos carros a abater. Nascido em 1998, o veículo, "que todos os anos passa na inspeção, vais às revisões todas, não lhe falta nada", diz a proprietária, já não pode circular na zona histórica da capital. "E eu já liguei para o departamento jurídico da câmara e disseram-me que vai ser criada uma segunda zona de restrição", conta a condutora. O transtorno é evidente: "Uso o carro para ir à casa dos meus pais e da minha filha. Percebo as preocupações ambientais, mas não agora." O que é o agora? Fácil: corte nos salários, IVA a 23%, subida do imposto automóvel. "Eu não tenho dinheiro para comprar um carro mais recente e, há dias, li que há carros bem mais novos do que o meu que poluem mais", desabafa.

Um dos principais problemas parece ser efetivamente o dinheiro. Isto mesmo é explicado por quem aderiu ao protesto mais por solidariedade do que por necessidade: "Está a ver aquele Opel ali? É claramente um carro de trabalho, de alguém que o usa para fazer a sua vida. Mesmo que tenha alguma possibilidade de o vender, com esta restrição, o valor da viatura caiu de 2500 euros para mil euros", refere, por sua vez, Nuno Vizela, gestor, proprietário de um vistoso Porsche Carrera de 1992, cujo preço supera os 40 mil euros, mas está legalmente impedido de rodar ao lado dos edifícios históricos. O gestor do Estoril também afirma perceber as "preocupações ambientais", mas, tal como os camaradas do protesto, contesta o momento, sobretudo por causa das dificuldades financeiras das pessoas para, num ápice, trocarem de carro.

"A câmara excedeu tudo o que é razoável na discriminação das pessoas, com base na sua capacidade económica de poderem ou não poderem ter um carro mais recente. Estamos a falar de carros anteriores a 2000, que constituem uma parte muito significativa do parque automóvel português", critica Tiago Nunes, que organizou o protesto através das redes sociais. "Pretendemos que a câmara revogue esta medida e que faça uma discussão séria sobre o que poderá efetivamente reduzir a poluição", finalizou Tiago Nunes, que promete manter o movimento com o motor quente.

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