Foi nos primeiros passeios que deu por Lisboa que Eileen McDonough reparou na calçada e nos azulejos que tornam única a capital portuguesa. "Fiquei cativada. E pensei: tenho de aprender a fazer isto", contou a americana numa conversa com o DN. Passados 26 anos sobre esses primeiros passeios, a americana não só fez dos mosaicos a sua vida como atrai muitos portugueses - e sobretudo inúmeros turistas - para os workshops que dá no seu ateliê. E agora está a convidar todos a beber um gin com uma Marilyn Monroe, uma Amália Rodrigues, um Fernando Pessoa ou um Mozart feitos partir de pequenos pedaços de mosaico e de vidro partido. Uma reinvenção sua da velha calçada portuguesa e dos azulejos que podemos ver no Gin Lovers do Príncipe Real..Estas são quatro das oito figuras icónicas que a artista escolheu para fazerem parte de uma exposição pop-up que organizou dia 11 no bar e restaurante lisboeta. A elas juntaram-se David Bowie, Frida Kahlo, Audrey Hepburn e John Lennon. Todos eles adornam os tampos das mesas que foram ali colocadas especialmente para este evento. A escolha destas personalidades foi de Eileen, que decidiu pensar em quem gostaria de trazer de volta à vida para um jantar ideal. "Tinham de ser figuras icónicas, porque eu traria os meus pais para um jantar ideal mas ninguém os iria reconhecer!", explica a artista com uma das suas gargalhadas..A ideia foi fazer "uma coisa funky. Fiz a Audrey Hepburn com tatuagens nos braços. Mas no Fernando Pessoa meti alguns dos seus versos, e o Mozart aparece como um amante de gin", numa brincadeira com o local que o acolheu. Quem quiser levar um destes "convivas" para casa pode fazê-lo, uma vez que duas ou três das mesas vão ficar no edifício Embaixada durante um mês, de forma rotativa. Os preços variam entre os 750 euros para uma mesa quadrada (de 85 cm x 85 cm) com a base em ferro e os 550 só para o tampo de uma redonda (com 60 cm de diâmetro). "Tudo vai estar à venda. E o preçário explica claramente que cada obra pode ser usada como tampo de mesa ou ser adaptada para pendurar nas paredes. Porque as pessoas geralmente não têm muito espaço em casa para mais mesas!", lembra Eileen, antes de garantir que o seu objetivo não é tornar as mesas "elegantes, até porque elas são "rústicas como a calçada"..De Washington para Lisboa.Mas como é que se troca uma carreira bem-sucedida numa editora de Washington para se tornar artista em Lisboa? Nascida em Pittsburgh, na Pensilvânia, numa família de oito irmãos, Eileen estudou no Ohio, onde conheceu o primeiro marido. Mas a relação terminou e a americana pediu à empresa onde trabalhava para a mudar para outra cidade. Foi assim que acabou em Washington. "O divórcio foi como a carta de saída da prisão no Monopólio. Tinha chegado a altura de me divertir", explicou..Foi já na capital federal norte-americana e já a trabalhar na editora MacMillan Publishers que Eileen decidiu seguir a sugestão de um velho funcionário do Departamento de Estado que conheceu na altura. Ele tinha trabalhado em 17 países e passado por Lisboa nos anos 1970, depois do 25 de Abril, sendo o responsável pela comunicação da Embaixada dos Estados Unidos quando Frank Carlucci era o embaixador. "Desses países todos, o seu preferido era Portugal. Ele adorava Lisboa. E quando o conheci, nos anos 1990, ele disse-me: olha, se estás a pensar viver no estrangeiro, escolhe Lisboa. Na altura pensei 'porque não?'".Convencida de que vinha por nove meses, Eileen recorda que só graças a essa crença a mudança para um país desconhecido "não foi assim tão assustadora". E depois fez amigos, conheceu o atual marido e acabou por ficar. Até hoje. Mas a vida de uma americana num país cuja língua não fala nem compreende não está livre de peripécias. Sobretudo se quer fazer dos mosaicos a sua vida. "Hoje basta ver um vídeo no YouTube, mas na altura acabei por aprender quase tudo sozinha", contou Eileen, sentada no seu estúdio na Rua Santo António da Glória. A artista vive ali perto, a cem metros, mas é no estúdio, rodeada das suas obras, que gosta de passar a maior parte dos dias, entre paredes cheias de obras em forma de sardinha, quadrinhos com Fernando Pessoa de chapéu ou um manequim com um fato de banho com as cores de Portugal ao qual Eileen chama carinhosamente "miss Portugal"..As dificuldades linguísticas não foram, contudo, capazes de demover Eileen, que, pouco depois de chegar a Portugal, resolveu então mergulhar nas lojas de material de construção à procura do que precisava. "Na altura não havia o Leroy Merlin, onde podemos comprar tudo. E o meu português era tão básico que acho que nos entendíamos [com os vendedores] por telepatia", confessa a rir-se. Hoje o português de Eileen é muito, muito melhor, mesmo se a artista confessa - em inglês, língua que prefere para uma conversa mais profunda e demorada - que a filha, Dorothy, de 17 anos, costuma gozar com os erros que ainda dá..Uma obra de street art em mosaico.Rapidamente Eileen percebeu que os seus trabalhos com mosaicos não eram um contributo suficiente para o orçamento lá de casa. A filha tinha feito 5 anos, ia para a escola primária e as contas continuavam a crescer. Foi assim que surgiu a ideia de criar a Mandamor, uma empresa de postais de boas-festas com mensagens para todas as ocasiões: do Natal ao Dia do Pai, dos casamentos ao Dia dos Namorados. Foi precisamente a 14 de fevereiro de 2018 que "passou o testemunho" ao marido, entregando-lhe a gestão da empresa. Até porque ele é "um génio dos negócios"..Para já, Eileen está focada no sucesso da exposição no Gin Lovers, mas a artista já está a pensar no próximo projeto e não esconde que adoraria trabalhar numa obra de street art em mosaico aqui mesmo nesta Lisboa que a acolheu há um quarto de século. Já para não falar em dar à capital portuguesa uma escadaria toda ela feita com pedacinhos coloridos de azulejo e vidro. Um pouco à semelhança do que existe em cidades como o Rio de Janeiro, São Francisco ou a sua Filadélfia. "Seria uma atração turística impressionante!", exclama. Sobretudo numa cidade que, como lembra sem medo do exagero, "já teve um milhão de escadarias! Com todas estas colinas".