Esquizofrenia
Em 1911, Eugen Bleuler usou, pela primeira vez, o termo esquizofrenia para definir uma patologia de foro psiquiátrico grave. Este distúrbio «caracteriza-se por sintomas positivos (delírios e alucinações), sintomas negativos (falta de vontade e embotamento afectivo) e por quadros de tristeza e desmotivação, acompanhados por problemas de memória e atenção», indica João Marques-Teixeira, psiquiatra, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e director clínico do Neurobios (Instituto de Neurociências).
De acordo com os dados disponíveis em Portugal, calcula-se que a esquizofrenia atinja entre 0,4 e 0,6 por cento da população, «sem predominância de género». O especialista considera que o aparecimento dos sintomas agudos tem, geralmente, início depois da adolescência, entre os 18 e os 24 anos.
Apesar de não se conhecerem as causas desta patologia psiquiátrica, suspeita-se de que o aparecimento dos primeiros sintomas se deva a razões genéticas. Contudo, João Marques-Teixeira diz que os «factores ambientais, físicos, infecciosos, psicológicos, traumáticos e tóxicos, nomeadamente a administração de substâncias de abuso», contribuem, sobremaneira, para o desenvolvimento da esquizofrenia.
Normalmente, a doença surge com «alterações na percepção ou na expressão da realidade», muito embora as manifestações mais frequentes sejam as «alucinações visuais ou auditivas. Os delírios persecutórios, a desorganização do pensamento e da linguagem, assim como um grande défice social e profissional», também são comuns.
Uma vida «quase» normal
A esquizofrenia altera por completo «as rotinas da família em que o doente está inserido». E, dado o impacte da doença, contribui para um desgaste emocional das pessoas mais próximas. Embora em algumas situações o internamento hospitalar seja um meio de tratamento, João Marques-Teixeira admite que, de uma maneira geral e salvo raras excepções de elevada gravidade, «o doente diagnosticado e tratado precocemente pode fazer uma vida praticamente normal».
Contudo, o diagnóstico nem sempre é simples. Assim, «a melhor estratégia, perante uma alteração grave e súbita de comportamento num adolescente ou jovem adulto, é pedir o apoio do médico de família ou de um psiquiatra», acrescenta.
Caso a medicação seja iniciada numa fase inicial da doença e sem interrupções, «em 75 por cento dos casos há uma evolução positiva, com um prognóstico favorável na resolução das crises». Mas, para que isto aconteça, além do envolvimento do doente, deve ser prestado apoio psicoeducativo à família. Todavia, em Portugal, uma coisa são as boas práticas e as boas intenções, outra são os poucos meios colocados à disposição das famílias e dos doentes pelos serviços públicos de saúde.
Para além dos fármacos («os mais usados, actualmente, dão pelo nome de antipsicóticos atípicos»), decorrentes de avanços científicos que permitiram o desenvolvimento de novas «substâncias eficazes e com menos efeitos secundários», os tratamentos também implicam «o treino cognitivo e uma reabilitação psicossocial». Porém, e apesar de todos os esforços, os médicos e a família deparam-se com alguns obstáculos na adesão ao tratamento, já que nem sempre «o doente aceita a patologia, até porque não tem consciência da mesma».
A somar aos factores intrínsecos à pessoa com doença, «seguem-se as dificuldades de ressocialização» e o estigma da sociedade face à esquizofrenia: «Esta patologia suscita um sentimento de estranheza nas pessoas e induz a uma sensação de perigosidade», o que constitui um dos motores de discriminação social. «Os doentes com esquizofrenia sofrem, ainda, de falta de apoios no nosso país.»
Afectos favorecem recuperação
O filme Uma Mente Brilhante, lançado em 2001, relatava a história de John Forbes Nash, um matemático exemplar que, a dada altura do seu percurso profissional, começa a sofrer de alucinações. O diagnóstico confirma a existência de esquizofrenia, o que o obriga a redefinir o rumo da sua vida.
Embora esta sequela associe a esquizofrenia à genialidade, o psiquiatra João Marques-Teixeira diz que esta relação não passa de um «mito»: «Esta crença resulta, provavelmente, da bizarria comportamental dos génios. Mas a ligação entre a doença e alguns prodígios intelectuais é a mesma que existe em outras patologias de foro psiquiátrico.»
No entanto, sofrer de esquizofrenia também não é sinónimo de ignorância ou de debilidade mental. Um estudo dirigido por João Marques-Teixeira procurou precisamente avaliar a capacidade de aprendizagem destes doentes: «Os programas que facilitem a aquisição de estilos de vida mais saudáveis, em conjunto com a terapêutica e as medidas de natureza psicossocial, promovem uma maior integração social.»
Os resultados deste estudo indicam que o grau de satisfação dos doentes aumenta face ao papel mais dinâmico que representam na sociedade. «De um modo geral, as variáveis ligadas ao estado emocional e à motivação intrínseca são fundamentais para essa aprendizagem. Tudo o que estimule o doente para uma vida activa e com sentido tem um impacte positivo na evolução da esquizofrenia», resume. Daí que se reforce a importância de um diagnóstico o mais precoce possível. Só assim se pode dar início a um tratamento adequado, que evite «um curso debilitante e com uma crescente insuficiência social».