Esquerda quer mobilizar abstencionistas contra Carreiras
Em 2013, 62% dos 175 mil eleitores eleitores de Cascais decidiram que ir às urnas para votar nos órgãos autárquicos não era com eles. Foi a segunda taxa mais alta de abstenção do país. Esmagadora. É mesmo por isso que os candidatos à presidência da câmara, sobretudo os que estão na oposição ao atual poder PSD/CDS elegem este combate como fulcral para conseguir inverter o ciclo eleitoral de 16 anos da coligação de direita. Um combate contra o presidente do município, Carlos Carreiras, que corre para o seu segundo mandato na autarquia.
A luta contra a abstenção terá de ser imaginativa, já que os cascalenses se têm mostrado bastante alheados das eleições autárquicas. Já nas de 2005 a falta de participação eleitoral tinha ficado nos 54% e em 2009 nos 56%, sempre acima da média nacional.
A principal adversária de Carreiras nestas eleições, a socialista Gabriela Canavilhas, antiga ministra da Cultura, admite que é muito difícil conseguir ganhar a câmara à coligação PSD/CDS, mas "não é impossível". Quer mobilizar esse vasto batalhão de cidadãos que não participa na vida da cidade eleitoralmente e que diz estar mais próximo do PS. Mesmo entre o potencial eleitorado socialista não atribui a desmobilização à polémica gestão de José Luís Judas nos idos anos 90. "A gestão de José Luís Judas teve muitos méritos, como acabar com milhares de habitações precárias no concelho. E há 16 anos que o PS já não governa a câmara. Essa fatura já está paga", assegura a candidata.
Clemente Alves, vereador e cabeça de lista pela CDU, tem uma explicação para a abstenção no concelho: "Há desmobilização porque as pessoas se têm sentido desrespeitadas pelo poder autárquico". A que Gabriela Canavilhas acrescenta o que, na sua opinião, é é um fator de julgamento negativo dos munícipes. "O presidente da Câmara recandidata-se novamente ao cargo sem programa e não se compromete com os eleitores". A candidata socialista põe ainda em causa que o adversário do PSD permaneça na câmara mais quatro anos. "Como é o último mandato vai passar o poder ao benjamin [o vice-presidente Miguel Pinto Luz]".
Carlos Carreiras - que em 2013 ganhou a câmara com 42,7% - refuta as acusações, mas reitera que "programas ninguém lê". Diz ter uma estratégia para o concelho que tem vindo a aplicar e que terá continuidade no próximo mandato, que tenciona "cumprir na integra". O cabeça de lista da coligação PSD/CDS mostra-se irritado com a "insinuação" da adversária - embora enfatize que é do candidato da CDU de quem tem sentido a maior oposição na câmara. "Isso é de um desplante e de uma arrogância, de uma grande prepotência da candidata, quando não tem nada a ver com Cascais. Ela, que foi eleita pelo distrito do Porto e de Braga, está a pôr em dúvida quem está na política autárquica há dezenas de anos".
Interesses e investimento
Gabriela Canavilhas também não é branda a analisar o mandato do presidente da câmara, que diz ter esquecido o interior de Cascais em favor do litoral "mais rico e virado para os turistas". A candidata garante que há "uma rede intrincada de interesses económicos em que assenta o governo atual de Cascais". Contesta também as taxas municipais que pesam sobre os cidadãos e que, diz, representam 80% do orçamento da câmara. Se for eleita, quer que a política fiscal sirva de fator de diferenciação e para combater as desigualdades que existem no concelho. Por exemplo ao nível do IMI devem existir taxas diferentes, defende. Uma proposta que também é apadrinhada pela candidata do Bloco de Esquerda, Cecília Honório.
"Não há homogeneidade, o interior foi esquecido e o litoral, virado para o turismo, está demasiado carregado de construção. Há muita diferença entre quem vive em Alcabideche e São Domingos de Rana e quem vive no centro de Cascais", afirma Gabriela Canavilhas. A mobilidade é um das suas preocupações, por isso promete apostar forte no transporte público - no metrobus -, que una todas as freguesias. Bate-se ainda pela requalificação do espaço urbano, por uma maior oferta cultural e pela reafirmação da identidade de Cascais, "para que não se confunda com outras baías da Europa".
Carlos Carreiras insurge-se contra a ideia de que o interior de Cascais foi esquecido. "Eu sou de São Domingos de Rana", lembra e diz que nunca se investiu tanto nesta zona "massificadas pela anterior gestão socialista". Está, isso sim, preocupado com o desequilíbrio da pirâmide geracional no concelho. Daí a sua aposta nos polos universitários que vão nascer no concelho. "Há todo um esforço para captar conhecimento e capacidade criativa. Somos um dos concelhos na primeira linhas do empreendedorismo e comunidades criativas", afirma.
Carreiras diz que no próximo mandato olhará com mais intensidade para as condições de mobilidade (uma das principais críticas da oposição), integrando todos os sistemas de transporte locais e com redução de custos dos transportes públicos; aumentará a oferta cultural, já que é indutora do turismo; e melhorará o sistema de saúde, de ação social e de segurança no concelho. O cabeça de lista do PSD/CDS garante que tem feito tudo melhorar a situação económica de Cascais e revela que, até final do mês, vai ser anunciado "um forte investimento que vai criar milhares de postos de trabalho".
Acusam-no de não comunicar nem ouvir os munícipes nas decisões que toma. Ele responde com o maior orçamento participativo autárquico da Europa. "Isto diz tudo, não diz?"
Clemente Alves, o vereador comunista que tem dado muitas dores de cabeça a Carreiras, tenta desmontar a argumentação do presidente da câmara: "Foi privilegiada a imagem de um postal turístico em detrimento das necessidades da população do concelho". As críticas sobre a falta de mobilidade repetem-se no discurso do candidato da CDU, bem como às de "excesso" de construção. Também ele se bate por uma descida da taxa de IMI e das tarifas municipais. Advoga ainda extinção das empresas municipais que "só servem para dar abrigo aos amigos da coligação PSD/CDS".
A CDU conseguiu eleger um vereador em 2013, tal como o Movimento Independente Ser Cascais, liderado por Isabel Magalhães. Só o Bloco de Esquerda falhou e não conseguiu qualquer mandato. Essa é a tarefa que Cecília Honório tem agora entre mãos. A campanha de proximidade é a que permitirá tentar convencer os cascalenses de que há alternativa à esquerda. "Dizem que esta é uma terra de tios e tias, mas isso é uma minoria. A maioria vive cada vez com mais dificuldades", assegura. É para estes que defende uma bolsa de habitação social e maior oferta de ensino público. E se PS, CDU e BE conseguirem inverter o ciclo, haverá possibilidade de uma geringonça autárquica em Cascais? "Será o voto popular que vai dizer se há essa vontade. Cá estaremos para todas as responsabilidades".