Esquerda que funciona

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Há dias, o Libération dedicava boa parte da primeira página ao PS e ao PSOE, representados através de uma foto de António Costa com Pedro Sánchez, apontando os dois partidos ibéricos como o possível modelo para um PS francês em busca de salvação. Aquele que ainda em 2012 se afirmava nas urnas como o maior partido de França, elegendo François Hollande como presidente da República e garantindo também maioria no Parlamento para formar governo, ficou-se pelos 5,6% de votos nas legislativas de 2017 e nas de 2022 teve de se sujeitar a uma aliança com a extrema-esquerda e os ecologistas para garantir um pequeno grupo de deputados. Quanto a presidenciais, que em França têm um peso único na Europa Ocidental, os candidatos socialistas passaram a ser meros figurantes na primeira volta, restando-lhes apoiar na segunda o chamado voto republicano no liberal Emmanuel Macron, que por duas vezes enfrentou Marine Le Pen, a líder da extrema-direita.

Num artigo publicado domingo no DN, João Pedro Henriques ouviu vários conhecedores da vida política francesa sobre esta necessidade de os herdeiros de François Mitterrand procurarem inspiração nos de Mário Soares e de Felipe González. As possíveis explicações para a fraqueza dos socialistas franceses vão desde o terem governado durante a crise do euro e, portanto, serem associados a medidas de austeridade, até serem muito mais à esquerda do que os partidos irmãos da Península Ibérica.

Convém relembrar que vários partidos socialistas enfrentaram momentos difíceis nos últimos anos, com um excelente exemplo a ser o Pasok, durante décadas um colosso da política grega, mas relegado para um plano secundaríssimo, com o seu espaço na esquerda a ser tomado pelo Syriza, que veio da extrema-esquerda mas foi-se moderando com a sua experiência de governação. Mesmo o SPD, que agora lidera a coligação governamental alemã, obteve resultados historicamente fracos durante todo o período da democrata-cristã Angela Merkel como chanceler e teve de aceitar ser parceiro menor de sucessivos Executivos em Berlim. Em Itália, o Partido Democrático está na oposição e em busca de uma figura que consiga enfrentar Georgia Meloni, a primeira-ministra que veio da extrema-direita mas tem mostrado certo pragmatismo. E no Reino Unido, apesar das excelentes perspetivas que lhe dão as sondagens de poder voltar ao poder, o certo é que os trabalhistas estão arredados do comando do país desde a derrota eleitoral de 2010.

Falando só da Península Ibérica, convém também recordar que o PSOE passou por tempos difíceis quando eleições sobre eleições mostravam uma força surpreendente de novos partidos, como o Podemos à esquerda, o Ciudadanos ao centro e o Vox à direita. Nas eleições de 2016, as últimas ganhas pela direita (no caso, os conservadores do PP), o PSOE só por pouco suplantou o Podemos como maior força da esquerda e foi graças a uma moção de censura que Sánchez chegou a chefe de governo, algo automático em Espanha. Depois, sim, o PSOE ganhou as legislativas de 2019 com 28% dos votos, já o dobro do Podemos (agora parceiro de governo), o que acabou com dúvidas sobre qual o partido que liderava a esquerda espanhola, mesmo que Sánchez dependa do apoio de pequenos partidos, incluindo alguns que não são de muita confiança.

Assim, na verdade, o grande caso de sucesso entre os partidos socialistas europeus nos tempos recentes é o PS. Costa conseguiu formar governo em 2015 mesmo sem ganhar as eleições, em 2019 ganhou e manteve a "geringonça" com o PCP e o Bloco de Esquerda e em 2022 conseguiu a maioria absoluta, com 41,5%, beneficiando da queda dos partidos à sua esquerda e da fragmentação do voto à direita. Para se encontrar um PS fraco, com votações pouco acima dos 20%, como ainda há pouco acontecia ao SPD e ao próprio PSOE, é preciso remontar à segunda metade da década de 80, quando a soma dos fenómenos PRD e Cavaco Silva à frente do PSD abalaram os equilíbrios do sistema partidário português.

E é essa excecionalidade do PS, que corresponde muito mais do que o PSOE ao título do Libération de "La gauche qui marche" (a esquerda que funciona), que, do ponto de vista dos portugueses, o obriga a mostrar maior energia na governação e entusiasmo por fazer coisas, mesmo quando depois de uma pandemia se enfrenta as consequências económicas de uma guerra na Europa.

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