Espólio de Saramago já está na Biblioteca Nacional

Doação. Era vontade do escritor que os seus documentos fossem para este templo da memória escrita. Ontem cumpriu-se o desejo do Nobel
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Passaram 18 anos desde que José Saramago recebeu, em Estocolmo, o Prémio Nobel da Literatura. Esse diploma tinha sido já entregue à Biblioteca Nacional de Portugal, juntamente com outros documentos, como o original do romance O Ano da Morte de Ricardo Reis. A essa doação que o escritor fez em vida acresce outra que começou a chegar na sexta-feira ao número 83 do Campo Grande, e se tornou oficial ontem quando a sua viúva e presidenta da Fundação José Saramago, Pilar del Río, e a filha, Violante Saramago Matos, assinaram o protocolo que oficializa a entrega de toda a documentação - manuscritos, originais, fotografias, correspondência, agendas... -, que passa a pertencer ao Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea.

No lento caminho desde a entrada do edifício projetado por Porfírio Pardal Monteiro até à sala de leitura com mesas e cadeiras de Daciano da Costa, algumas vitrinas da Biblioteca Nacional mostram agora parte desses cerca de 30 novos documentos acabados de desempacotar, como o manuscrito do livro Claraboia e respetivas anotações. Ou ainda a Jangada de Pedra.

Pilar del Río mostra-os ao primeiro-ministro, António Costa, e ao ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, que estiveram presentes na cerimónia. Conta, por exemplo, que, nos últimos livros, Saramago "escrevia no computador, imprimia e fazia anotações". Alguns documentos estão cheios delas. Os contos, por exemplo.

A primeira versão, dactilografada, está cheia correções; a segunda, já corrigida, volta a receber reparos do escritor, explica Pilar del Río, ao DN, após a assinatura do protocolo. Contêm a memória do processo de escrita de José Saramago, desaparecido em junho de 2010. "Disponibiliza sem restrição todo o trabalho, o que experienciou, anotou. Não é a apresentação final do livro, é preparar o livro", considera a filha do autor, Violante Saramago Matos. Uma certidão narrativa em nome de José Saramago chama a atenção neste conjunto. "Saramago percorreu os cemitérios de Lisboa à procura do irmão e foi na sequência disso que nasceu Todos os Nomes", conta Pilar del Río, explicando o objeto. No lote agora depositado na BNP estão oito originais de obras do escritor português e uma fotografia. "Estava no meio de um livro e achou-se por bem deixar", diz Pilar del Río.

No segundo antes de firmar o seu nome no protocolo de doação, Pilar del Río deixou a confissão: "Não é fácil, hã." "Quem é que gosta?", explica ao DN, mais tarde. "É imaginar que se esvazia a casa do pai ou da mãe, mas isto não são mobílias, é a obra. É puro espírito, puro sangue", continua. "Sabia onde estava tudo e agora abro as gavetas e estão vazias."

Violante Saramago Matos diz que se limitam a cumprir a vontade do pai, como escreveu em 1994 ao proceder "à entrega do que nunca tive dúvidas que devia ter como destino a Biblioteca Nacional", como citou, no discurso, a diretora da instituição, Maria Inês Cordeiro. "Está onde se pode assumir como um bem público", conclui a filha.

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