Espectadores exigem posição a escritores sobre Angola

O festival literário de Castelo Branco não se ficou apenas por questões que respeitam ao livro. A política também marcou lugar
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Estavam os debates a correr dentro da normalidade que é costume nos festivais literários quando da plateia surge uma voz a exigir ao escritor que estava no palco que falasse de política em vez de histórias sobre livros. E para que em Castelo Branco não ficassem dúvidas sobre o interesse de mais de uma centena de espectadores no que José Eduardo Agualusa tinha a dizer sobre os jovens presos em Angola, por contestarem o governo, uma segunda pergunta sobre o caso foi feita ao escritor no festival Fronteira.

As perguntas nem foram muito frequentes por parte do público no encontro literário que decorreu no fim de semana, mas o tema Angola rompeu essa timidez. Questionou-se o porquê de não ter havido indignação em Portugal no que respeita à condenação de Luaty Beirão e dos seus companheiros, situação com que Agualusa concordou ao afirmar: "Esses jovens esperavam mais de Portugal e da juventude portuguesa. É escandaloso o que se passou há poucos dias na Assembleia da República, quando duas moções de solidariedade foram chumbadas por razões que ninguém sabe explicar. Interesse económico? As relações a longo prazo entre países não se podem basear em questões comerciais."

Na segunda resposta, Agualusa referiu as pressões angolanas quando integrou o júri do Prémio Camões: "As autoridades portuguesas responderam logo que eu estava lá porque o Brasil o exigira."

O escritor angolano não ficou apenas pela política, falou da literatura em língua portuguesa e do papel que o nosso país pode ter na cultura dos países africanos em crise económica e sem bibliotecas se enviasse livros de autores portugueses para associações que os distribuíssem aos angolanos. Recordou, a propósito, que o seu interesse em escrever começou por ter lido as obras de Eça de Queirós.

Pelo Fronteira passaram várias vozes da literatura nacional. Após uma sessão inaugural em que se leram poemas de vários autores, como os de António Salgado, a primeira sessão contou com o poeta Manuel Alegre. Que negou a inexistência da inspiração na poesia: "É falso." Que criticou a desatenção da palavra poética e do esquecimento de autores como "Gomes Leal, Camilo Pessanha ou Afonso Duarte". Também nesta intervenção não deixou de haver um momento político, quando Alegre criticou "a transformação de Portugal numa junta de freguesia da Europa" e exigiu respeito para com a história de Portugal, fazendo uma provocação: "Até por parte da Alemanha, porque este país não é só Auschwitz."

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Na sessão que contou com Jacinto Lucas Pires e Nuno Camarneiro, ambos explicaram como surgem os temas que escrevem. O primeiro: "Não se decide o que se escreve." O segundo: "Há temas que nos são mais confortáveis." A poesia não esteve de fora e Nuno Júdice e Inês Pedrosa discutiram o esquecimento dos autores portugueses do passado. Júdice justificou: "Os autores desaparecem de cena porque saem dos programas de ensino, sempre preocupados em não agredir o aluno com livros difíceis."Pedrosa deu exemplos: "A Agustina Bessa-Luís não é traduzida em lugar algum."

A escritora apresentou também o seu novo livro de contos, Desnorte, e defendeu a necessidade de a escrita ser musical, confessando que este trabalho lhe "tirou o medo de experimentar novos géneros literários". O segundo livro apresentado, Gramática do Medo, escrito a quatro mãos, fez que as autoras, Maria Manuel Viana e Patrícia Reis, debatessem o modo de escrita inicial e qual o resultado final nos vários capítulos.

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