Especialistas alertam: subida do preço da luz é inevitável
A fatura da luz vai ficar mais cara, admitem especialistas, face à escalada do preço da matéria-prima no mercado grossista. Há semanas já que o preço tem vindo a bater recordes sucessivos no Mibel- Mercado Ibérico de Eletricidade, e nesta semana chegou mesmo a aproximar-se, em algumas horas do dia, dos 150 euros por megawatt/hora (MWh). Sexta abrandou e fechou nos 137,7 euros e neste sábado está nos 134,89 euros, mas basta ter em conta que há um ano estava abaixo dos 50 euros/MWh para se perceber a dimensão do problema. A Associação dos Grandes Consumidores, a APIGCEE, fala numa situação "particularmente preocupante" que poderá fazer duplicar o peso da eletricidade nos custos variáveis de produção das empresas, de 30 para 60%.
"É particularmente preocupante em virtude de não se conseguir fazer refletir a subida do preço da energia elétrica nos produtos finais, sob risco de perda de quota de mercado face à agressividade dos mercados. Isso traduz-se em redução de margens, menor capacidade de investimento e em última análise na possibilidade de deslocalização de unidades produtivas", alerta o diretor executivo da associação.
Para Jorge Mendonça e Costa, o momento que se vive "evidencia, sem dúvida", que o sistema atual de mercado marginalista - o que significa que a última central de produção de energia elétrica chamada a suprir as necessidades da procura é a que marca o preço para uma dada hora no mercado diário, e todas as outras centrais de produção, mesmo não emitindo CO2, beneficiam do preço do MWh para esse período do dia - "é muito deficiente", razão porque defende a sua remodelação.
Diz o responsável que a situação em Portugal é "especialmente gravosa" porque os preços no mercado spot da eletricidade "são diferencialmente maiores no MIBEL do que no resto dos principais países onde concorremos" e porque os custos regulados, ou seja, as tarifas de acesso às redes, são "particularmente elevados", o que agrava o preço final da eletricidade. "Em especial a tarifa UGS (Uso Global do Sistema) que integra os designados Custos de Interesse Económico Geral (CIEG) e que tornam as tarifas de acesso às redes na Muito Alta Tensão e na Alta Tensão três vezes superiores às que se verificam em Espanha", garante.
Também a Associação de Comercializadoras de Energia no Mercado Liberalizado (ACEMEL) admite que, mais cedo ou mais tarde, os consumidores irão sentir uma atualização de preço na componente energética da sua fatura. Quando e como, depende da maturidade do contrato de energia que têm, da estratégia de cada comercializador e, claro, da evolução do preço no mercado grossista. E olhando para o preço diário e, sobretudo, para o preço dos contratos de futuros, no Mibel, "o aumento da componente de energia na fatura é inevitável", diz o presidente da associação.
Ricardo Nunes lembra, no entanto, que a fatura de eletricidade tem outras componentes, como as tarifas de acesso à rede, os impostos e outras taxas, que correspondem, no caso de um consumidor doméstico, a mais de 60% do valor final a pagar e "que dependem das políticas energéticas e fiscais definidas pelas autoridades competentes".
O responsável aponta ainda o dedo à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) que, em junho, procedeu a uma revisão de preços da eletricidade para as famílias no mercado regulado, com um aumento de 3%, que Ricardo Nunes considerou "irrealista".
"Nessa revisão foi considerado para o mercado regulado um preço de 61,85 euros por MWh quando o preço médio de julho foi 92,60 euros por MWh e o de agosto foi 105,99 euros por MWh. Temos, portanto, quase um milhão de consumidores do mercado regulado que pagam a sua energia a um valor muito inferior do que o preço do mercado grossista, e isso não é saudável para o desenvolvimento do setor", defende, lembrando que o mercado regulado nada tem a ver com consumidores vulneráveis, os quais beneficiam da tarifa social.
Para a ACEMEL, a questão da escalada de preços só será resolvida "quando tivermos suficiente penetração de renováveis para fazer face à procura, conjugado com um eficiente desenvolvimento de tecnologias armazenáveis no setor, o que demorará por certo algum tempo". Mas as alterações nos mercados internacionais do gás natural podem também alterar completamente o sentido do preço, lembra Ricardo Nunes.
Já da parte da APIGCEE, a expectativa é que, com a criação do estatuto do consumidor eletrointensivo, que está em marcha, o governo possa "desonerar, total ou parcialmente", estes consumidores dos Custos de Interesse Económico Geral (CIEG), "à semelhança do que outros países já fazem, como a França ou a Alemanha, atenuando, assim, a escalada dos preços de mercado". Para Jorge Mendonça e Costa, "só esta medida terá um impacto relevante e a curto prazo". A associação lamenta ainda que a compensação dos custos indiretos das emissões de CO2 nunca tenha sido aplicada em Portugal, apesar de ser uma "prática corrente" nos restantes países da União Europeia. "Encontra-se, desde há muito, prometida a publicação do instrumento legal que institui esta compensação, mas que ainda não viu a luz do dia", frisa.
Do lado das famílias, a Deco pede uma intervenção a nível fiscal já que, mesmo que o governo venha a mexer nos Custos de Interesse Económico Geral, tal terá um efeito "escasso" dada a dimensão do aumento do preço da eletricidade no mercado grossista, que praticamente triplicou. É na taxa de IVA que a associação quer ver mexidas, já que há muito vem defendendo que, tratando-se a eletricidade de um serviço público universal, deve ter uma taxa reduzida. Além de que, lembra, o aumento da parcela do custo energético vai levar a um aumento, na mesma proporção, no IVA.
Já ERSE tem dito que, no mercado regulado, "é ainda prematuro" tentar calcular qual será o impacto da subida de preço no mercado grossista nos consumidores.
Questionados os comercializadores de luz, EDP, Iberdrola, Galp e Goldenergy dizem-se a acompanhar atentamente a situação e a aguardar, em especial, a atualização tarifária que o regulador irá definir para o mercado regulado. A 15 de outubro, a ERSE apresenta a sua proposta tarifária para 2022, sendo a versão definitiva das tarifas anunciada dois meses depois.
A EDP Comercial considera "prematuro" comentar a atualização tarifária para 2022 antes de ser conhecida a decisão da ERSE, no entanto, sublinha que esta "dependerá sempre da evolução dos preços no mercado grossista". No mesmo sentido, a Iberdrola assume que "a manter-se o cenário de elevada pressão, temos de refletir, na menor medida possível, ajustes, mediante revisão de valores".
Já a Goldenergy lembra que o preço da energia é apenas um terço do preço final que as empresas e as famílias pagam mensalmente, e Miguel Checa, CEO da empresa, mostra-se confiante que haverá um esforço do governo para que "o incremento do preço da energia seja compensado noutros aspetos".
Por agora, a Galp diz que tem vindo "a garantir nos últimos meses que o aumento do custo de energia não é refletido nos clientes domésticos". Apenas antecipa que "qualquer atualização será avaliada e anunciada atempadamente".
Da parte do governo, o ministro do Ambiente e da Ação Climática acredita que a situação de Portugal e Espanha são distintas e que, em 2022, será possível impedir um agravamento de custos aos consumidores. Em declarações à SIC, esta semana, Matos Fernandes foi perentório: "Temos obviamente muitas almofadas que estamos a utilizar e que vamos utilizar para reduzir o preço da eletricidade. Ou melhor, para inibir o aumento do preço da eletricidade". A entrada em funcionamento, no próximo ano, das centrais solares que resultam dos leilões promovidos em 2019 é uma das "almofadas", bem como o aumento das receitas do Fundo Ambiental, resultante do aumento da taxa de carbono.
"O governo, naturalmente, não deixará de estar atento à evolução do preço de luz, sendo certo que zelará, dentro das suas competências, pelo equilíbrio da concorrência no seio do MIBEL, fazendo uso dos instrumentos legais ao seu dispor, nomeadamente, o mecanismo previsto no Decreto Lei n.º 74/2013, de 4 de junho, o chamado mecanismo clawback, diz fonte oficial do gabinete de Matos Fernandes. Criado em 2013 - para corrigir as distorções na formação do preço médio da eletricidade no mercado grossista em Portugal, causadas por eventos extra-mercado verificados no âmbito da União Europeia -, o clawback prevê que os produtores de eletricidade que se encontrem abrangidos pelo respetivo âmbito de aplicação são obrigados a devolver ao Sistema Elétrico Nacional parte das suas receitas através do pagamento de uma compensação mensal.