"Espanha devia recuperar o espírito da concórdia que tínhamos em 1978, em 1980, e tentar superar a divergência ideológica"

Juan Manuel Moreno, o presidente do governo da Andaluzia, a mais populosa região espanhola, vem a Portugal esta quarta-feira para reforçar relações. Entrevistado pelo DN, o político do PP, nascido em Barcelona, adverte o novo executivo de esquerda em Madrid para não ceder às exigências catalãs ou bascas.
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Juan Manuel Moreno é o primeiro não socialista a chefiar o governo da Andaluzia, a mais populosa das regiões espanholas, com cerca de oito milhões de habitantes. Está no poder desde 2019 quando conseguiu formar uma coligação com o Ciudadanos que conta com o apoio no parlamento andaluz dos deputados do Vox. Sobre este último partido, bem mais à direita do que o seu PP, afirma que tem cumprido o acordo e portanto ajudado ao projeto de modernizar a região, tradicionalmente um bastião socialista. Quanto à situação política geral em Espanha, adverte o governo de esquerda de Pedro Sánchez contra cedências à Catalunha e ao País Basco em detrimento de outras regiões mais pobres, como a própria Andaluzia. Em Portugal, tem contactos previstos com vários membros do governo, além da participação num fórum empresarial em Lisboa. Irá também a Faro.

Recentemente afirmou que não admitiria que o novo governo de coligação PSOE-Unidas Podemos "pisasse a Andaluzia". Porquê esta expressão? Crê que o Partido Socialista não será justo com a sua região?
Nós estamos muito preocupados com o acordo assinado pelo PSOE com líderes independentistas na Catalunha e com líderes nacionalistas no País Basco. Evidentemente que isso pode gerar que haja um maior privilégio, um maior financiamento, uma maior alocação de recursos para a Catalunha e para o País Basco em detrimento da Andaluzia. Nós estamos predispostos para a cooperação, aliás não pode ser de outra maneira, mas não vamos permitir que haja uma sinergia por parte do governo de Espanha que beneficie alguns espanhóis em detrimento de outros.

Gostaria da sua opinião sobre o clima de crispação, de divisão, que há agora em Espanha entre a esquerda e a direita, mais forte do que no passado. Isto preocupa-o?
Sim, preocupa-me. Além do mais, creio que Espanha devia recuperar o espírito da concórdia que tínhamos em 1978, em 1980, tentar superar a divergência ideológica e pôr o interesse dos espanhóis acima de qualquer outro. É verdade que isto é consequência também da atitude que têm mantido os partidos independentistas, uma atitude de desrespeito pela Constituição espanhola, do estatuto da autonomia, que está a criar tensões e a violentar a própria convivência na Catalunha e, também, no resto de Espanha - está a dividir o país.

Sei que nasceu em Barcelona, numa família andaluza que regressou entretanto a Málaga. Das memórias que tem da sua família surpreende-o também a crispação na Catalunha? É diferente da que existia na época em que os seus pais lá viviam?
Completamente diferente. A Catalunha sempre foi uma terra solidária, para onde muitos andaluzes e muitos espanhóis de todo o resto do país foram trabalhar e contribuir para gerar riqueza para a Catalunha e para Espanha. Barcelona, por exemplo, era a capital das letras espanholas, da literatura espanhola, e a Catalunha era uma região pluralista e diversificada. Hoje, graças ao governo nacionalista e independentista já não é assim, persegue-se a língua castelhana, o projeto educativo e informativo é claramente independentista. E isso exclui metade da população da Catalunha. Antigamente podia-se falar de política no seio das famílias, e, hoje em dia, graças à divisão que se instalou, não se pode falar de política em família, não vá, na Noite de Natal, haver algum irmão ou pai que se exalte. Tristemente, a situação na Catalunha mudou para pior.

Fala-se muito também do novo partido Vox, que é uma reação a muitas coisas, inclusive ao nacionalismo catalão. O Vox tem um acordo consigo no governo da Andaluzia. Como é que esse acordo está a funcionar? É possível trabalhar em coligação com partidos como o Ciudadanos e também o Vox?
Até agora tem funcionado bem. E tem funcionado bem porque nós temos uma coligação com o Ciudadanos e o apoio externo, parlamentar, do Vox. Esse apoio tem sido, até agora, um sucesso. O acordo que estabelecemos cumpriu-se. É verdade que temos diferenças, porque somos partidos políticos diferentes e, portanto, há assuntos sobre os quais pensamos de maneira diferente, mas creio que temos tirado o máximo do acordo - temos conseguido a regeneração democrática da Andaluzia, a reforma económica com baixa de impostos e de burocracia... O Vox tem sido, até agora, um sócio parlamentar que tem cumprido.

Uma das causas do surgimento do Vox é a reação à imigração. Como vê, como presidente regional, toda a pressão migratória que se sente no Mediterrâneo e, sobretudo, na Andaluzia?
É um verdadeiro problema. Nós solicitámos ao governo de Espanha, assim como às autoridades europeias, que tomem conta do assunto - necessitamos de mais recursos na Andaluzia. O nosso centro de proteção de menores não acompanhados que cruzam do Mediterrâneo está absolutamente saturado, sem recursos. Temos muitíssimos jovens não acompanhados que precisam da ajuda da tutela. Acabamos a trabalhar sem nenhum tipo de colaboração por parte do Estado e da União Europeia e também do próprio controlo da fronteira. A Andaluzia é a fronteira sul com o Mediterrâneo, com o norte de África e necessitamos de mais meios humanos e de mais proteção, não somente policial - que é necessária - mas também no âmbito social, educativo, de inserção para os podermos ajudar a integrarem-se na sociedade essas pessoas que chegam sem saber a nossa língua, muitas vezes sem estudos, e que necessitam de uma ação social para a qual nós não temos recursos suficientes.

Vamos então falar de uma fronteira mais pacífica, a ocidental: como são hoje as relações da Andaluzia com Portugal?
As relações da Andaluzia com Portugal são muito boas. A Andaluzia sente-se irmã do país vizinho. Não é apenas uma relação de amizade como também uma relação económica. Há uma grande troca económica entre Portugal e a Andaluzia, e isso interessa-nos muito. O intercâmbio comercial entre a Andaluzia e Portugal foi de cerca de 1500 milhões de euros no último ano. Portanto, queremos ajudar a que empresários portugueses venham para a Andaluzia, queremos ajudar a que turistas portugueses venham à Andaluzia e queremos ajudar também no sentido inverso - a que empresários andaluzes vão para Portugal, a que turistas andaluzes vão a Portugal... Em suma, queremos melhorar as relações para que sejam o mais fluidas possível e que Portugal e a Andaluzia trilhem um caminho de progresso em conjunto.

Há algum objetivo mais concreto na sua visita da próxima semana a Lisboa e Faro?
O objetivo fundamental, primeiro, é melhorar, como disse, as relações comerciais, melhorar esse vínculo, reforçá-lo, e aproveitar também para reforçar o vínculo entre a região do Alentejo e do Algarve e a Andaluzia. Portugal e a Andaluzia têm setores estratégicos fundamentais que são comuns, como o agroalimentar. A União Europeia quer incrementar os fundos europeus para as eurorregiões e esta é uma enorme oportunidade para podermos trabalhar não só no fórum ibérico como no fórum europeu em matérias como a economia circular, a economia ecológica para todo o setor agroalimentar, pois temos muitos interesses que são comuns.

Estamos prestes a celebrar os 40 anos da aprovação da autonomia andaluza. O senhor faz uma avaliação positiva deste método de administração de Espanha?
Sim, eu sou um defensor do Estado descentralizado. Aproximar o governo dos cidadãos é positivo. Há 40 anos que sentimos os efeitos do autogoverno, da autonomia, e há coisas para resolver, por exemplo, a composição da comunidade autónoma, o modelo de financiamento que seja um modelo último e definitivo de financiamento, para que se possa prestar o melhor serviço à comunidade autónoma; há que resolver também a lei constitucional que funcionou razoavelmente bem, mas que com as questões independentistas tem dado origem a muita agitação, muita confrontação e que proporciona a distorção do próprio sistema.

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