Espadas
Uma espada que vibra como um diapasão e tem um olhinho no punho que abre e fecha, outra espada com lâminas escondidas que saem de surpresa e trespassam o utilizador se ele não está a prestar atenção, um escudo com quatro lâminas giratórias para cortar o inimigo às fatias, uma foice avantajada para debulhar pescoços, uma tenaz gigante que arranca cabeças à distância, uma sombrinha com lâminas que fazem picadinho de quem se meter à frente. Tsui Hark, o realizador de Seven Swords, o filme histórico e de artes marciais que abriu ontem o 62.º Festival de Veneza, tem muito jeito para conceber armas extravagantes e mortíferas, abundantemente utilizadas nas duas horas e meia de duração desta superprodução milionária que associou Hong Kong, a China e a Coreia do Sul.
É pena que a inventividade de Hark para o armamento não se tenha manifestado também na narrativa de Seven Swords, um filme no limite da legibilidade até para o mais entusiástico e esforçado fã do cinema de acção histórica asiático, tão caoticamente avassalador, sonora como visualmente, que em certas cenas o espectador chega a sentir o impul-so de se agachar e proteger com as costas da cadeira da frente. Parece que a China em peso, e to- do o elenco do filme, armado até aos dentes, lhe vai cair em cima.
Passado na China do início do século XVII, aquando da chega- da dos manchus ao poder, Seven Swords conta a luta de sete guerreiros, cada um armado com uma espada especial, contra um édito lançado pelo Governo que proíbe as artes marciais, e contra um general corrupto que, rodeado de um grupo de assassinos profissionais, esmaga todas as tentativas de resistência nacionalista.
Tsui Hark disse que filmou Seven Swords porque achava que o género de artes marciais (ou wuxia), de tão explorado nestes últimos anos, estava a "tornar-se ridículo em vez de heróico", e a perder "realismo". Por isso, preferiu não recorrer aos efeitos especiais digitais, confiando apenas na aptidão física dos membros do elenco e dos "duplos", e usando mecanismos de suspensão dos actores com fios nas sequências mais acrobáticas, fios esses que são depois "apagados" por computador na pós-produção. Por outro lado, Hark, que também participou na escrita do argumento, esforçou-se para que as personagens não tivessem características sobre-humanas ao ponto de se tornarem inverosímeis. "O que eu quis foi contar uma história imaginária de forma diferente, criar um mundo de fantasia de maneira realista e mostrar um herói com limitações e fraquezas."
CONFUSãO. Tudo isto estaria muito bem se Seven Swords não fosse um magma narrativo, uma confusão cansativa, uma avalancha de acontecimentos, um filme onde Hark pretende impressionar e conquistar o espectador pelo excesso e pela saturação. A acção é a mata-cavalos e a banda sonora foi musculada com esteróides musicais, os massacres são elaborados, os actores multiplicam-se em esgares exagerados, entre cavalgadas ribombantes, duelos laboriosos e metralha de flash-backs, e a verosimilhança acaba esmigalhada. Nem sombra da elegância marcial de um O Tigre e o Dragão ou do preciosismo coreográfico de um O Segredo dos Punhais Voadores. Seven Swords quer ganhar a partida por esmagamento, por isso o seu lema é "todos ao molho e fé em Buda".
Tsui Hark é uma lenda do cinema de Hong Kong, como argumentista, produtor e realizador. Ele tutelou John Woo antes dele ir para Hollywood, é o responsável por clássicos como as séries Mad Mission ou A Chinese Ghost Story, e o realizador de fitas de referência como Swordsman, Era Uma Vez na China ou New Dragon Inn. Mas a sensação com que ficamos depois de termos visto Seven Swords é que Hark já não sabe o que fazer com um género ao qual deu o seu melhor. Seven Swords é um épico informe.