Espaço, a última fronteira
Faz 50 anos, no dia 20 de julho de 1969, que um homem pisou pela primeira vez a Lua.
A RTP transmitiu uma emissão ininterrupta de 18 horas, que só terminou no dia seguinte, comentada por José Mensurado. Eu não assisti em directo, mas lembro-me vagamente de estar a ver, julgo que no Telejornal do dia seguinte, com os meus pais, irmã e vizinhos, suspensos na credulidade perante aquelas imagens de um acontecimento real.
(Curiosamente, o Telejornal desse dia não abriu com a notícia da chegada à Lua, mas sim, como era habitual, com agenda dos governantes da época, no caso a inauguração de uma fábrica de cimento em Pataias por Sua Excelência o Presidente da República Américo Tomás.)
Foi no meu tempo de vida, até agora, o acontecimento mundial mais importante (tal como o 25 de Abril foi o acontecimento nacional mais importante). Se o 25 de Abril foi a liberdade e as suas possibilidades, o pequeno passo na Lua foi um gigantesco salto de exaltação do «sonho que comanda a vida»
Lembro-me de a minha vizinha do último andar, dona Luciana, crente evangélica, se recusar a acreditar que fosse verdade. Para ela era uma coisa inventada pelos americanos, cinema.
Na minha imaginação de miúdo de 6 anos quase 7, a diferença entre ficção e realidade era uma fronteira esbatida.
Só anos mais tarde comecei a ficar encantado com a verdade do acontecimento. «Viver a inteireza do possível», escrevia Sophia no seu livro Navegações, «Ali vimos a veemência do visível / O aparecer total exposto inteiro / E aquilo que nem sequer ousáramos sonhar / Era o verdadeiro.»
A aventura espacial tem para mim um fascínio que eu não sei explicar. Por exemplo, todas estas últimas notícias sobre a sonda New Horizons em Ultima Thule, na fronteira do sistema solar, o astro mais distante de sempre visitado por uma nave terrestre. Ou no meu tempo de adolescente as Voyager 1 e 2, lançadas em 1977, que agora estão na fronteira do sistema solar com o espaço interstelar e que levam um disco de ouro com uma mensagem em nome da humanidade e informação e sons da Terra para quem a encontrar.
A possibilidade de encontrar seres extraterrestres ainda hoje me provoca uma excitação igual à da minha adolescência, quando passava horas a especular com os meus amigos sobre como seria se no nosso tempo de vida esse encontro acontecesse. Como aconteceu no tempo das navegações, portugueses e nativos de outras terras, desconhecidos uns dos outros, terem-se encontrado pela primeira vez.
A minha primeira série de ficção científica foi o Espaço: 1999, que passou em Portugal em 1975 e que foi logo para mim uma fixação militante e o princípio do meu gosto por esse género ficcional.
Nove em cada dez filmes de ficção científica são muito maus, mas a excepção é normalmente uma obra-prima (Blade Runner, antes de mais).
Referindo só os filmes sobre encontros com seres extraterrestres, é impossível não nomear a obra-prima que é Encontros Imediatos de Terceiro Grau, de 1978. Ou o maravilhoso ET - O Extraterrestre, de 1982 (ambos de Steven Spielberg).
Outra referência obrigatória daquela época era a série Cosmos de Carl Sagan. Sagan haveria de escrever Contacto, uma novela posteriormente adaptada ao cinema, com outra estimulante versão para um possível encontro com seres extraterrestres (as três histórias têm em comum, o que é curioso, o facto de os protagonistas que contactam com os extraterrestres lidarem com a figura de um pai ausente ou problemático).
Depois havia todo o tipo de teorias, como a que dava título ao filme Eram Os Deuses Astronautas? adaptado de um célebre livro de Erich von Daniken, que esteve muitas semanas em exibição num pequeno cinema que havia por cima do antigo Monumental, apropriadamente chamado Satélite, onde o vi adolescente, nos anos 1970, absolutamente fascinado com essa hipótese que me assombrou durante anos e anos.
Borges dizia que a realidade pode prescindir da obrigação de ser interessante, mas não as hipóteses. Ou os sonhos que elas inspiram.
A aventura espacial é um sonho sobre a imensidão das estrelas que contemplamos no céu da nossa solidão cósmica.
A Lua foi só o primeiro passo. A realidade daquela pegada de Armstrong, intacta, dado que na Lua não há vento, não parou de me fazer sonhar.
Foi das viagens à Lua que nos ficaram aquelas imagens da Terra como um planeta azul na imensidão negra do universo. Um ponto azulado onde estamos todos, todos na fotografia (menos o astronauta).
O possível encontro com uma forma de vida extraterrestre, pouco a pouco me vou resignando, é capaz de já não ter lugar no meu tempo de vida. Mas as hipóteses continuam a fascinar-me com a mesma intensidade com que fascinaram aquele miúdo que eu era nos longínquos anos 1960 e 70.
Verdade, verdade é que a melhor explicação que conheço para ainda não ter aparecido ninguém é a que Calvin deu ao seu tigre Hobbes: «A prova mais evidente de que existe vida inteligente extraterrestre é que nenhum deles tentou contactar connosco.»
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia