Esferas de influência, amanhãs que cantam e hard power

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Nos meses que antecederam a invasão da Ucrânia, a Rússia invocou razões históricas e de segurança para lhe ser reconhecida uma suposta "esfera de influência" no leste europeu que devia garantir-lhe "segurança" relativamente à NATO. Apesar de não se ter oposto à adesão de vários países do ex-Pacto de Varsóvia à NATO, pretendia agora que fosse traçada uma linha vermelha em relação à Ucrânia. Não é a primeira vez, nem será a última que uma potência clama ter o direito a esferas de influência. Porém, a História ensina-nos que só existe "esfera de influência" quando a potência que a reclama tem poder para a impor. P/ ex., só a partir do final do século XIX, quando passaram a ter força militar para a impor, os EUA deram um caráter imperialista à "Doutrina Monroe", tendo transformado o mar das Caraíbas num mare nostrum. No que respeita aos países do leste europeu parte do Pacto de Varsóvia, é claro que aproveitaram um momento em que a Rússia estava enfraquecida para promover a sua integração na NATO e na UE. Apenas a Ucrânia e a Moldávia (e a Geórgia) se atrasaram. As razões para a adesão à UE podem fundar-se numa vontade de fazer parte de um espaço económico com um elevado nível de vida e disponibilização de fundos de coesão regional. Mas a adesão à NATO radica claramente no receio de a Rússia voltar a ter capacidade para tentar integrá-los na sua órbita e/ou limitar a sua soberania. Após a implosão da URSS, a economia russa era pouco relevante e estava semidestruída. A Rússia do pós-URSS não era uma potência económica (tem hoje um PIB inferior ao da Itália), deixou de ser uma potência industrial, não é relevante nos domínios da inovação e da tecnologia. E, no que tange a ideologia, muito antes do termo do período soviético/marxista-leninista, já as populações nesses países do leste europeu tinham percebido que as promessas de "amanhãs que cantam" um paraíso comunista edificado com base num "homem novo" eram pretextos para manter uma ditadura dita "do proletariado" e perpetuar a dominação russa, num regime económico que produziu pobreza e miséria, aqui e ali mescladas com alguns direitos sociais.

CitaçãocitacaoA Europa deixou de ter ilusões em relação a qualquer interdependência económica com a Rússia. A construção da autonomia estratégica da UE está a ser acelerada.esquerda

A Rússia apenas permanece uma superpotência militar. E foi dessa vertente de hard power que Putin lançou mão de forma irresponsável, provocando miséria e destruição na Ucrânia e instabilidade económica internacional, que levaram a sanções económicas e financeiras sobre as empresas e cidadãos russos. A Europa deixou de ter ilusões em relação a qualquer interdependência económica com a Rússia. A construção da autonomia estratégica da UE está a ser acelerada, com especial ênfase nos planos militar e energético. A Federação Russa - agora percebida como um perigo existencial para a União Europeia - será como tal tratada pela UE em todas as geografias e em todos os setores.

Na questão de fundo, a UE deve manter-se firme. Por que razão devem os anseios e aspirações económicas e de segurança das populações do leste europeu - exprimidos em liberdade e em regimes democráticos - ser sacrificados no altar das pretensões de uma mirífica "esfera de influência" decretada por uma liderança russa incapaz de reconhecer a realidade económica do seu país, cujo líder delira com a recriação mítica de uma "Grande Rússia" e que não hesita em ameaçar países da UE?


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