Escutas

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A realização de escutas telefónicas por parte dos órgãos de investigação criminal está a ser mais uma vez diabolizada, na sequência do escândalo do "Envelope 9", documento do processo da Casa Pia que contém informação, em suporte informático, sobre números de telefones do então arguido Paulo Pedroso, mas também uma lista de mais de 200 números de altas personalidades da vida política sem utilidade para a investigação.

No "Envelope 9" não estão transcritas escutas telefónicas, mas sim registos de chamadas feitas de determinados números para outros. É uma lista de tráfego telefónico que também pode ser pedida numa investigação, com a devida autorização de um juiz.

Apesar desta diferença, volta a clamar-se pelo fim das escutas telefónicas, mas é preciso separar o trigo do joio. O caso do "Envelope 9" é muito sério e o procurador-geral da Repú- blica deve sobre ele todos os esclarecimentos. Venha a história a apontar para uma falha do Ministério Público ou da PT, ou para uma conspiração qualquer. Em qualquer dos cenários, não deve ser tratado como um "lapso" ou uma mera "falha" de um funcionário. Mas, a partir daí, pôr em causa a existência de escutas é um erro tremendo e uma irresponsabilidade.

As escutas são um importantíssimo meio de prova, não devem ser confundidas com uma prova. Elas são decisivas, em certo tipo de crimes, para que as polícias possam agir com rapidez e, no limite, salvar vidas humanas. São também muito importantes na obtenção de prova num vasto leque de crimes que pode ir da droga até ao crime económico. Sem o recurso às escutas, não tenhamos dúvidas, uma comunidade inteira fica muito mais vulnerável à ameaça criminal. Basta olhar para as dezenas de processos de associações criminosas que se distinguiram pela violência usada em crimes de extorsão, rapto, homicídio.

O que se torna indispensável, como alerta a magistrada Fátima Mata Mouros no livro Sob Escuta, é que as polícias e o MP não as banalizem. Que não sejam detidas pessoas com base em escutas inócuas e que não sejam transcritas outras com manifesta ausência de ligação aos factos. Que elas sejam criteriosamente justificadas e escrupulosamente respeitados os seus limites. Que os juízes de instrução não se autotransformem em verbos de encher na fiscalização. Se todos fizerem o seu papel, não são necessárias mais leis, basta que sejam bem cumpridas as que existem.

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