Se eu escrevo é porque existo, e se existo vou morrer. Então porque não falar na morte? A morte é aquilo que temos mais certo na vida. .Muitas vezes vemos a morte como o último degrau da vida. Degrau, que na nossa mente, só chegará quando estivermos velhos e acabados. Mentira! São tantas as vezes em que o último degrau aparece repentinamente sem ninguém se aperceber, e faz cair gente tão nova... .Comparo a vida a um percurso ascendente, em que dia a dia, subimos um degrau, e ao chegarmos ao fim da linha, já não há mais degraus para subirmos..Só no resta o abismo e a queda abrupta. Quando a morte prega-nos um susto, quando a morte tira a vida a um familiar ou quando a morte torna-se rainha de uma guerra, a imagem que crio no meu pensamento é de estar sozinho sem ninguém por perto, além dos bichos e da terra. .Não vale pena amenizar a situação. .Desde novos, os pais têm a necessidade de dizerem aos filhos que a morte é "a partida para o céu, onde vamos ter com os anjinhos que tocam harpa...". Este eufemismo não prepara as crianças para nada, é só uma medida cautelar para evitar que as crianças possam conviver com a verdadeira realidade ainda muito jovens. .Isso é o relato de um católico, como é óbvio. Os pais também criam e passam essa ideia para os filhos, sobre o inferno. .Relatam que o inferno é fogo, é "para onde vão os maus" e é onde "ninguém quer estar porque existe o Diabo". .As criancinhas temem ser más porque não querem ir para o inferno. Mas quando se apercebem, mais tarde, que aqueles relatos são fantasiosos e irreais, chocam-se, porque deparam-se com uma realidade dura e crua. .A morte é sinónimo de partida para um lugar, e não é para o céu nem para o inferno nem para o purgatório, é para de baixo da terra ou então somos queimados por um fogo ardente que nos devora sem que nós possamos reagir pois estamos num sono eterno. .O argumento do céu e do inferno serve apenas para os pais e sabem porquê? .Talvez haja crianças que se comportam melhor porque querem ir para o céu... .Já chorei sozinho, noites seguidas. Não por temer a minha morte, mas por temer a morte daqueles que me são mais próximos. .Ver a escuridão em pesadelos, fechar os olhos e pensar apenas na partida daqueles que amo ou no pensar diário, em que fico completamente a milhas de distância do mundo, cogitando por que razão morreremos um dia, afligia-me e continua a afligir-me..Entristece-me o facto de morrer diariamente. Cada dia morro um pouco e sei que não aproveitei ao máximo aquele segundo, aquele minuto, aquela hora, aquele dia....Escrevo porque vou morrer um dia. Se vou morrer ao menos que deixe algo escrito para as futuras gerações lerem. Aquilo que tenho escrito num qualquer papel rasgado, escrito na diagonal na vertical e na horizontal, riscado até dizer chega ou num computador qualquer. .Tenho papéis e documentos de word com muita coisa escrita. Só espero que a morte me deixe aproveitar mais um pouco. Deixe-me a mim e não se esqueça de vós..A morte não pede licença. Aperta-te de tal modo que sucumbes rapidamente. É uma mal-educada mas é quem decide sobre o nosso destino. .É inevitável aceitá-la e incluí-la no nosso quotidiano porque num instante somos reduzidos a nada. Um corpo imóvel, desprezado, sem ação e sem sentido de estar acima da terra. .Vamos para um lugar gelado sem pai nem mãe. Só nós e os bichos...