Escaldadas
No fim-de-semana a minha mãe fez escaldadas. Apareceu-nos a Laura lá em baixo, ao portão. Vinha enrolada num velho anoraque, protegendo o pescoço e a boca do frio. Percebi logo que tinha havido cozeduras. Ela viu-me aparecer à janela e disse:
- Escaldadas!
Como um apresentador de circo que se vira para as crianças:
- E, agora, os palhaços!
Nós tínhamos acabado de comer, mas sentámo-nos e comemos de novo - a manteiga derretendo--se-nos por entre os dedos, o doce e o salgado conservando distâncias, como dois namorados que se arrufam e reconciliam sem nunca se perdoarem de vez.
Telefonei à minha mãe:
- Pelo amor de Deus, tens de me dar esta receita.
Ela deu:
1 kg de farinha de trigo
500 g de farinha de milho
3 ovos
1/2 barra de margarina
1 pacote de fermento
1/2 pacote de erva doce em grão
1 colher de chá de sal
250 g de açúcar
Escalda-se a farinha de milho com água a ferver, juntando-se-lhe a erva doce e o sal. Quando a massa estiver em condições de se lhe meter as mãos, põe-se o resto dos ingredientes, amassando bem com água q.b.. A margarina é a última coisa a acrescentar, para que se despegue o preparado da tigela. Protege-se do frio, espera-se que levede e, findo o processo, tendem-se bolinhos pequenos numa toalha polvilhada de farinha. Levam-se ao forno, previamente aquecido a 200° C, e deixam-se cozer por 30 minutos.
Parece que também se chamam caspeadas, embora eu nunca tenha ouvido alguém dizer essa palavra. Na verdade, há muitos anos que não ouvia o termo "escaldadas" também. Lembro-me de tê-las comido apenas uma vez, pequeno ainda, num dia de temporal.
Havia eleições na televisão.
Acho que vou fazer escaldadas para os sogros, um dia destes. Prometi-lhes ou não lhes prometi umas férias de Outono, ao remanso da lareira, com chás quentes, mantas e bolinhos?
neto.joel@gmail.com
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico