Escalar o selvagem K2 no inverno. A missão impossível já está em marcha
Entrar para a história do alpinismo como os únicos que conseguiram escalar o K2 durante o inverno. É este o desafio de algumas equipas de montanhistas (entre desconhecidos e outros com currículo) que já estão no terreno a tentar atingir o cume da montanha de 8000 metros, a segunda mais alta do mundo logo a seguir ao Evereste, localizada na fronteira entre a China e o Paquistão.
O K2 é conhecido como a "montanha selvagem" devido à extrema dificuldade de subida. E por isso tem também a terceira maior taxa de mortalidade entre as montanhas com mais de 8000 metros - em 477 ascensões bem-sucedidas houve 87 mortes. Mas sempre que alguém atingiu o cume foi na primavera e no verão. No inverno nunca ninguém conseguiu tal feito.
É este o desafio a que se propõem algumas equipas de montanhistas, entre eles os Sapdara (pai e filho) que trabalham para o islandês John Snorri; três conhecidos alpinistas xerpas (Mingma Gyalje, Dawa Tenzin e Kili Pemba) e sobretudo o nome mais mediático: Nirmal Purja. Mas há também ilustres desconhecidos, sem experiência, que estão a arriscar a vida. Estima-se que no total serão 75 montanhistas, cada um com as respetivas equipas, algumas com mais de 50 elementos.
Purja, montanhista nepalês de 36 anos que chegou a fazer parte de um corpo de elite do Exército britânico formado por nepaleses, alcançou em outubro de 2019 uma proeza que muitos consideravam impossível de concretizar - completou a escalada das 14 montanhas mais altas do mundo (conhecidas como as 8000) num tempo recorde de 190 dias. Para se perceber a grandeza deste feito basta ter como termo de comparação o anterior recorde, que pertencia ao sul-coreano Kim Chang-ho, que demorou sete anos, dez meses e seis dias a escalar os mesmos 14 cumes. Agora tenta novo um feito.
"Existem inúmeras razões para ninguém ter conseguido atingir o cume do K2 no inverno. Mas há uma equipa bem posicionada para conseguir concretizar este grande desafio do montanhismo", escreveu Purja nas redes sociais, referindo-se obviamente à sua equipa.
Vários conhecidos montanhistas, contudo, torcem o nariz a esta perigosa expedição em pleno inverno, sobretudo em relação à forma como está a ser realizada pelos alpinistas menos experientes. É o caso do polaco Adam Bielecki, um purista que considera que, para muitos, esta aventura é apenas uma questão de marketing, pois vários dos aspirantes utilizam garrafas de oxigénio, o que torna a missão mais fácil. "É como ganhar a Volta à França com uma bicicleta elétrica. Não seria ético nem honroso", escreveu nas redes sociais o homem que escalou em pleno inverno as 8000 Gasherbrum I (2012) e a Broad Peak (2013).
"Os que escalam sem auxílio de oxigénio são atualmente uma pequena minoria. Ir com oxigénio suplementar altera completamente as regras do jogo, mas cada um sabe de si. Se calhar no final alguém vai chegar ao cume graças ao oxigénio e temos de respeitar. Mas quem o fizer sem essa ajuda terá mais crédito. É preciso ser honesto e dizer sempre a verdade", opinou o espanhol Sergi Mingote, da equipa Seven Summit Treks, que tem uma estrutura que inclui cerca de 60 pessoas.
As equipas numerosas e a enorme logística têm merecido igualmente críticas. "Um carregador não pode levar mais de 20 quilos durante o inverno, mas tenho visto que muitos escaladores chegaram com quatro e cinco malas cada. Imaginem quantos são necessários para transportar todos os equipamentos, desde garrafas de oxigénio, tendas, roupa, material de cozinha, alimentos. Estou preocupado como vão conciliar tudo isto e veremos quantos vão conseguir lidar com as baixas temperaturas", disse Asghar Ali Porik, proprietário de uma agência que organiza expedições.
O frio e a neve são de facto um problema. As temperaturas oscilam entre os 30 e os 60 graus negativos, além de ventos extremamente fortes, que tornam esta aventura demasiado perigosa. Além disso, existem certos pontos da montanha onde são frequentes as avalanches.
"Todas as manhãs quando acordamos, há geada dentro da tenda devido à condensação. O frio é imenso. Esta montanha realmente faz jus à fama que tem, e ainda não chegámos muito alto", referiu ao The New York Times o escalador Colin O'Brady, que está inserido numa das muitas equipas.
"Não é por acaso que o K2 é chamado de montanha selvagem, e arrisco-me a dizer que em breve se pode transformar no inferno. Qualquer montanha de 8000 metros é uma batalha para nos mantermos vivos, e se pensarmos que agora estão a tentar escalar o K2 no inverno... até fico sem ar só de pensar. Poderá haver muitas mortes e não entendo como podem estar na expedição escaladores sem experiência", alertou Kenton Cool, o alpinista britânico que subiu 14 vezes ao pico do Evereste.
Em todo o planeta existem 14 montanhas acima dos 8000 metros, mas o monte K2 é o único que ainda não foi escalado no inverno, altura em que a neve é mais profunda, o frio insuportável e as avalanches frequentes. Nos últimos 15 anos, as montanhas mais altas do mundo foram escaladas na primavera ou no verão, inclusivamente o K2. Na década de 1980, alguns grupos mais aventureiros começaram a fazer expedições no inverno e tiveram êxito em quase todas.
Faltou a montanha selvagem. É essa missão que agora está em marcha, com todos os perigos inerentes, e que se espera possa ser concluída com êxito em fevereiro por alguns. Para já, os vários grupos ainda nem a meio da montanha estão. E a boa notícia é que ainda não existem vítimas.