Esboço de paz e jogo de sombras chinesas na Ucrânia
Se o esboço de paz para a Ucrânia que está em cima da mesa vier a tornar-se realidade, isso deve-se sobretudo à tenacidade do exército e do povo ucranianos, que não hesitaram em pegar em armas para defender o seu país.
Tivesse Putin conquistado, rapidamente e sem resistência, as cidades que planeara subjugar e a paz seria uma mera figura de estilo.
Assim, confirma-se o princípio de que "se queres a paz faz a guerra". A resposta que o mundo ocidental deu à barbárie de Putin tem sido um elemento vital para mostrar à oligarquia de Moscovo o caminho em direção à mesa de negociações. A NATO e a União Europeia disponibilizaram de imediato o apoio militar (possível) e político necessário para a defesa dos ucranianos e para tentar parar as veleidades de Putin, que tem sentido, ele e os seus correligionários e oligarcas, o peso das sanções.
Mal preparado, desmotivado e com um planeamento tosco, o exército de Putin tem sido travado à entrada de quase todas a cidades, sem as conquistar e, em desespero de causa, bombardeado alvos civis, hospitais, escolas, centros logísticos, num exercício de guerra suja. Com isto, Putin já tem "à perna" o Tribunal Internacional de Haia, podendo vir a ser acusado de crimes de guerra. Ele e os que o apoiam nesta loucura.
Entretanto a China tem-se mantido no "arame do equilibrista", procurando apoiar Putin, discretamente, tentando não beliscar a sua postura de neutralidade. Não tem sido fácil!
Wang Li, ministro dos Negócios Estrangeiros da China, tanto fala da cooperação "sólida como uma rocha " com a Rússia como vem pedir "contenção" no teatro da guerra, sublinhando, por fim, que "a China não faz parte da crise ucraniana e ainda menos quer ser afetada pelas sanções". Amarrada a um acordo rubricado entre Xi Jinping e Putin, em várias áreas, onde assume particular relevância o contrato assinado por um período de 30 anos, entre a Gazprom e a TNBT chinesa, para o fornecimento de 10 mil milhões de metros cúbicos de gás a preço de saldo, a China procura dar o apoio político possível à Rússia, sem irritar os Estados Unidos e os seus parceiros. Um apoio mais robusto de Pequim a Moscovo, nomeadamente, de armamento militar, correria o risco de desencadear sanções de que a China foge como o diabo da cruz. A globalização é um instrumento vital para a saúde financeira chinesa e qualquer gesto que rompesse a malha mundial dos circuitos comerciais seria um desastre para a China.
Convenhamos que Pequim não está confortável com os métodos utilizados por Putin. A supremacia chinesa exerce-se através de ferramentas económicas, de ocupação de pontos logísticos, da aquisição de ativos estratégicos internacionais e não com a metralha das Kalashnikov.
Contudo, muito em breve, a Rússia estará falida. O seu "porto de abrigo" terão de ser os BRICS. A Índia já se disponibilizou para comprar petróleo a Moscovo. No final desta triste aventura é bem possível que venha a verificar-se uma espécie de resgate chinês à Rússia. Com as portas do Ocidente fechadas, a Rússia não terá outra alternativa que não seja correr a abrigar-se nos países que lhe são, ideologicamente, próximos. E a China, com o seu poder financeiro, é o que está mais bem colocado para receber a Rússia, retirando daí dividendos, naturalmente.
Por agora, finalmente, começa a falar-se com alguma solidez de paz e da quase certeza de a Ucrânia continuar a sua trajetória de país independente.
Para além das questões ideológicas seria bom que a China desse um contributo para se encontrar, com urgência, uma solução de paz. Pode fazê-lo com o ascendente e com os argumentos financeiros que agora tem sobre a Rússia, levando-a à sensatez de um entendimento com a Ucrânia. Já chega de caos e entropia, que Putin provocou ao mundo. Após uma pandemia que deixou o planeta desregulado e, economicamente, mais fragilizado, o Kremlin não teve melhor ideia do que invadir um país soberano e iniciar uma guerra perigosa e de consequências económicas desastrosas.
Se a China preserva o equilíbrio dos circuitos financeiros e quer manter estável a globalização, o melhor que tem a fazer é assumir uma posição em defesa da paz, inibindo-se de fornecer armas ou outros instrumentos de agressão contra o povo ucraniano.
Um exercício de realpolitik expresso numa aproximação da China aos Estados Unidos, para salvar a economia mundial, seria bem recebida por toda a humanidade.
Se a China não o fizer estará a colocar-se do lado errado da história.
Jornalista