Erro de senhorios nas Finanças tira benefício fiscal e apoios a inquilinos
Um lapso do senhorio na comunicação de um contrato de arrendamento para habitação permanente às Finanças pode vir a ser muito penalizador para os inquilinos, que ficam impedidos de deduzir as rendas no IRS, quando decorre o prazo para a entrega da declaração, e de aceder ao subsídio mensal até 200 euros, que começa a ser pago em maio com retroativos a janeiro. É ainda possível efetuar a correção a tempo de evitar, pelo menos, a perda do benefício fiscal, mas não a exclusão do apoio para este ano.
O caso foi reportado ao Dinheiro Vivo. Os arrendatários constataram que algo estava errado aquando do preenchimento da Declaração de IRS, uma vez que os encargos com as rendas não estavam automaticamente inseridos, como era habitual. Ao consultar, na página do Portal das Finanças, o tipo de contrato que o proprietário tinha registado, verificaram que, no Modelo 2 do Imposto de Selo (IS), estava assinalado o campo que diz respeito a "Contrato de arrendamento para habitação não-permanente". Ora, segundo o Código do IRS, só são dedutíveis as rendas relativas a contratos para Habitação Permanente, daí a exclusão automática feita pelo Fisco.
"Apenas são dedutíveis à coleta até 15% do seu valor (com o limite de 502 euros) as rendas pagas pelo arrendatário para fins de Habitação Permanente, conforme resulta da alínea a) do artigo 78.º-E do Código do IRS", esclareceu o Ministério das Finanças ao DV. Como tal, a tutela indica que "um contrato de arrendamento cuja finalidade seja Habitação Permanente, mas que esteja registado no Portal das Finanças como sendo para Habitação não-permanente deverá ser alterado, de modo a refletir a sua real finalidade". "Com esta alteração, o contrato de arrendamento registado refletirá a Habitação Permanente", acrescenta.
Assim, o arrendatário deve pedir ao senhorio para mudar o Modelo 2 do IS para Habitação Permanente, tendo em atenção que a alteração se reporta ao início do contrato e não apenas à data desta correção. Caso contrário, as rendas de 2022 continuam a não contar, já que a Declaração de IRS é relativa aos rendimentos do ano passado.
Mas como está em curso a obrigação declarativa, em sede de IRS, (de 1 de abril a 30 de junho) e o senhorio ainda não retificou a finalidade do contrato, a dedução não vai aparecer automaticamente, pelo que "o inquilino deve inserir manualmente as despesas com rendas" no Anexo H, relativo a benefícios fiscais e deduções para conseguir obter o benefício, sugere o fiscalista Luís Leon, da sociedade ILYA.
Até porque o contrato celebrado entre as partes, que indica que se trata para Habitação Permanente, sobrepõe-se ao Modelo 2 do IS declarado ao Fisco. "A questão não deve ser o modo como o contrato está registado junto da Autoridade Tributária, mas sim, se, na realidade, está em causa um arrendamento para Habitação Permanente", alerta o especialista em Direito Fiscal, Diogo Bernardo Monteiro, da sociedade Eversheds Sutherland FCB. "Naturalmente que, estando o contrato registado como não sendo para habitação permanente, essa dedução não irá aparecer automaticamente", sublinha.
O contribuinte deve então indicar, na Declaração de IRS, que, em alternativa aos valores comunicados à Autoridade Tributária (AT), pretende declarar as despesas de Saúde, Formação, com Imóveis e Lares. Os encargos validados no e-fatura, como de Saúde ou Formação, vão aparecer automaticamente, pelo que o arrendatário só terá de registar manualmente os referentes às rendas.
Perda do apoio para este ano
A correção por parte do senhorio também é necessária para que os inquilinos sejam elegíveis para o apoio à renda até 200 euros por mês, criado pelo governo, para famílias com taxa de esforço superior a 35% e rendimentos coletáveis anuais até 38 632 euros (6.º escalão do IRS). O subsídio vai começar a ser pago em maio com efeitos a janeiro. Ou seja, se o contrato não for retificado na AT, os inquilinos que até poderiam beneficiar do subsídio ficam logo excluídos.
De qualquer forma, e mesmo que o Modelo 2 do IS seja alterado, já vem fora do prazo estabelecido pelo governo, até 15 de março, para validar os contratos elegíveis. Ou seja, estas famílias só podem vir a receber o apoio em 2024. Imagine que até tinham direito a 200 euros por mês este ano: a perda pode chegar aos 2400 euros.
"Quem, a 15 de março, tenha um contrato de arrendamento registado no Portal das Finanças como sendo para Habitação não-permanente não será elegível para o apoio à renda em 2023. No entanto, nos casos em que tal se justifique, a finalidade do contrato de arrendamento poderá ser atualizada de modo a que passem a ser elegíveis para o apoio em 2024", explicou o Ministério das Finanças.
Contudo, o fiscalista Diogo Bernardo Monteiro tem outro entendimento: "Teoricamente, caso o senhorio declare que se trata de um erro cometido logo quando foi apresentada a Declaração Modelo 2 do Imposto do Selo, esta correção deveria produzir efeitos desde a apresentação original daquela declaração, pelo que não se deveriam colocar entraves à atribuição do apoio extraordinário à renda".
Este tipo de lapso cometido pelos senhorios não parece ser comum. A Associação de Inquilinos Lisbonenses, a Associação de Inquilinos e Condóminos do Norte de Portugal e a Associação Nacional de Proprietários (ANP) revelaram ao DV que desconhecem casos idênticos.
Neste momento, e segundo os últimos Censos do INE, que se reportam a 2021, há 922,9 mil contratos de arrendamento, dos quais "a esmagadora maioria são para Habitação Permanente", assinalou o presidente da ANP, António Frias Marques. O DV também pediu às Finanças o número de contratos para Habitação Permanente e não-permanente registados na AT, mas não obteve resposta. Contudo, Frias Marques defende que "99% dos contratos comunicados ao Fisco são para Habitação Permanente".