ERC em guerra com Inspeção da Saúde sobre liberdade de expressão
"Os deveres de respeito e correção não significam subserviência, cega e incondicionada, aos superiores hierárquicos, nem supressão do direito de defesa, "nem, muito menos, do direito de falar" ou de ter de acatar, em silêncio, "reprimendas verbais". (...) É para nós evidente que as afirmações proferidas pelo arguido não excederam a dimensão tolerada, inerente à liberdade de expressão e à crítica."
É assim, acusando implicitamente a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) de querer impor um regime de subserviência aos funcionários e de não reconhecer o direito à liberdade de expressão, que está fundamentado o relatório da Inspeção-Geral das Atividades de Saúde (IGAS) a que o DN teve acesso e que levou o dirigente desta, António Caeiro Carapeto, a decidir a 6 de novembro arquivar o processo disciplinar que aquela tinha instaurado ao jurista Rui Mouta e pelo qual lhe queria aplicar uma multa.
Em reação, a ERC, imputando a Mouta "acusações, insinuações e insultos" que "consubstanciam uma afronta ao prestígio e imagem do conselho regulador e da própria ERC", acusa a IGAS de "violar a lei", e "extravasar as suas competências" por "não lhe caber julgar da validade de atos praticados por outras entidades que não estão sujeitas à sua hierarquia ou tutela", e pede, em "recurso hierárquico" (a que o jornal igualmente acedeu) ao ministro da Saúde, Manuel Pizarro, que "anule ou revogue" o despacho de arquivamento e o substitua por outro que aplique ao trabalhador a sanção decidida (correspondente a seis dias de salário).
Este recurso da ERC para o governo sucede na precisa altura em que a sua direção - o conselho regulador (CR) - termina o mandato de cinco anos e quando é acusada, pela Comissão de Trabalhadores, em carta enviada ao parlamento, de criar "um ambiente tenso, de medo e de falta de liberdade de expressão, com ameaças mais ou menos veladas a quem se posicione, ou seja percecionado como estando a posicionar-se, de forma crítica face às decisões do Conselho Regulador."
Na mesma carta, datada de 19 de dezembro, os representantes dos 83 trabalhadores da ERC mencionam os processos disciplinares em curso, que consideram carecer de "ancoragem jurídica e social", manifestando "apreensão e tristeza" pelo adiamento da eleição (que estaria prevista para 22 de dezembro) de um novo CR. E concluem: "A nossa tutela são os senhores deputados, que são o garante da responsabilização (accountability) daqueles que mandataram para um órgão constitucionalmente previsto, a que acresce o dever de zelar pelo saudável funcionamento desta instituição, acautelando que esta funciona democraticamente em prol da Democracia."
É sem dúvida uma história bem intrincada.
Desde logo, por que motivo interviria a IGAS num processo disciplinar da ERC? A resposta é a mobilidade na administração pública: Mouta, que tinha sido considerado culpado, nesse processo disciplinar movido pela ERC, de "violar o dever de correção" na forma como se dirigira, por carta, aos dirigentes do regulador, nomeadamente ao seu presidente, o juiz conselheiro Sebastião Póvoas, ex vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, é um jurista dos quadros da IGAS que esteve em comissão de serviço na ERC desde 2009 até maio de 2022.
A partir de 2017 desempenhou ali as funções de diretor do departamento jurídico. A 10 de maio deste ano, após uma série de ações do conselho regulador/direção da ERC que se terão iniciado em 2019, e tiveram como resultado um redimensionamento do departamento, com drástico corte de efetivos, e a retirada de quase todas as funções de Mouta, este enviou uma carta para o CR a informá-lo de que efetuara uma queixa à Autoridade para as Condições do Trabalho por assédio moral.
Na missiva, o jurista acusa Póvoas de "feroz e incompreensível perseguição" e os restantes membros (à exceção de um) de serem com ela coniventes, já que o presidente usaria "o Conselho Regulador e a Direção Executiva [da ERC] para "ratificar ou aprovar medidas que visam de forma continuada a desestabilização do Departamento Jurídico e do signatário".
São essas imputações, consideradas pelo Conselho Regulador (CR) como "acusações graves", revelando "pouca consideração" e "falta de correção", que levam, logo a 11 de maio, à instauração do processo disciplinar.
14 dias depois, o CR decidiu unilateralmente cessar a comissão de serviço de Mouta e o acordo de cedência entre este trabalhador, a ERC e a IGAS; essa cessação teve efeitos a partir de 27 de junho, ainda antes de ser formulada a acusação no processo disciplinar. Assim, quando em setembro é efetuado o relatório final do processo, dando como provada a acusação, Mouta estava já sob o poder disciplinar da IGAS; a ERC não podia aplicar-lhe qualquer sanção.
É por este motivo que o regulador dos media envia para a IGAS a decisão do processo disciplinar, como se lê no final da mesma: "Desde o dia 27/6/2022 passou a ser a IGAS a entidade competente para exercer o poder disciplinar sobre o arguido, na sequência da cessação do acordo de cedência de interesse público. Assim sendo, deverão os presentes autos ser remetidos ao IGAS [inspetor-geral das Atividades em Saúde) para eventual aplicação da sanção disciplinar".
Porém, como já referido, e como frisa a ERC no recurso para o ministro, a IGAS interpretou "a competência de avaliação da sanção como o poder de avaliar todo o processo - nas suas dimensões de forma e substância - e de decidir sobre se deve ou não aplicá-la." E a decisão foi a de não o fazer, por considerar que estava em causa a tentativa de punição de um trabalhador por exercer um direito fundamental.
A inspetora da IGAS que assina o relatório que deu lugar ao arquivamento do processo não se limitou no entanto a analisar a matéria de facto em causa; demoliu metodicamente, passo a passo, todos os aspetos do mesmo.
Começa por imputar à ERC ilegalidade na nomeação do instrutor do processo, advogado de um escritório privado, considerando a IGAS que essa tarefa teria de caber a um jurista da administração pública. Isto, prossegue, para "cumprir o postulado do princípio da imparcialidade e da prossecução do interesse público (...), uma vez que só quem seja titular dessa relação jurídica de emprego (...) fornecerá as garantias da imparcialidade legalmente necessárias para poder analisar com isenção, transparência e exclusiva ponderação do interesse público (...)." E considera que a nomeação efetuada, cuja nulidade não foi suprida, é "um vício que contamina todos os atos subsequentemente praticados."
De seguida, a inspetora da IGAS debruça-se sobre a acusação, que diz ser "pouco clara", não tendo sido "integralmente deduzida de forma articulada".
A acusação funda-se, como referido, no que foi escrito por Rui Mouta na carta enviada à direção da ERC, mais concretamente em cinco excertos da mesma. A começar pela frase que imputa a Sebastião Póvoas uma conduta persecutória, já transcrita neste artigo, e na qual se considera que é imputada "ao Presidente do Conselho Regulador uma atitude persecutória, sem consubstanciar em factos, revelando pouca consideração por quem preside à ERC e por um seu superior hierárquico".
Seguem-se o excerto no qual Mouta se dirige aos restantes membros do CR (que eram quatro à data da carta: o vice-presidente Mário Mesquita, Maria de Fátima Resende, Francisco Azevedo e Silva e João Pedro Rodrigues; Mário Mesquita, que morreria a 27 de maio, é excecionado pelo subscritor das considerações que faz, por não ter participado nas votações que lhe "causam inquietação"), dois outros em que se refere apenas a Fátima Resende e um último no qual fala de novo de Póvoas.
Assim, em "Apreciaria que, por um momento, cada um dos Senhores Conselheiros se descobrisse do abrigo confortável do Conselho Regulador e exprimisse a sua individualidade. Sim, não posso acreditar que o Conselho Regulador da ERC funcione como um bloco monolítico, a lembrar outros tempos ou outros espaços geopolíticos", a acusação viu "pouca consideração pelo órgão máximo da ERC e pelos seus superiores hierárquicos", por pretender "implicitamente imputar uma ausência de autonomia de vontade de todos e cada um dos membros do Conselho Regulador, sem consubstanciar em factos".
Em "Já nos conhecemos há largos anos (...) fico surpreendido por ter já votado decisões que bastante me penalizam e nunca me ter dirigido uma palavra franca e aberta sobre esses assuntos. A senhora Dra Fátima Resende conhece por acaso números concretos sobre a pendência dos processos de contraordenação e a evolução da mesma nesta casa? (...) ou a Senhora Dra Fátima Resende deu como verdadeira a simples referência genérica à sua "acumulação inadmissível?", vislumbrou-se "confusão entre a esfera profissional e a esfera pessoal revelando falta de correção com um membro do Conselho Regulador", e em "Peço desculpa, Senhora Dra. Fátima Resende, mas a intenção não é confundi-la ou cansá-la com estas perguntas. O objetivo é mesmo colocar factos em cima da mesa", foi notada "condescendência (paternalismo)", "pouco consentânea com o dever de correção".
Por fim, em "Lamento a situação a que se chegou, O senhor Presidente e (ainda?) Supervisor do Departamento Jurídico não me recebe, apesar de eu formalmente ter solicitado uma reunião a 28 de março", a acusação do processo disciplinar volta a discernir a imputação de "uma atitude persecutória, sem consubstanciar factos, revelando pouca consideração por quem preside à ERC e pelo seu superior hierárquico."
A conclusão do instrutor do processo é de que "o arguido (...) pretendeu deliberadamente tecer juízos ofensivos e desrespeitosos sobre os membros do órgão superior da ERC (...), empregando uma retórica discursiva de ataque e de desrespeito", ultrapassando "o exercício do seu direito de reclamação ou de formulação de juízos de valor, praticando uma infração disciplinar grave, por violação do dever de correção".
Perante estas cinco alegadas violações do dever de correção e a conclusão retirada pelo instrutor do processo, o relatório da IGAS considera "evidente que as afirmações proferidas pelo arguido não excederam a dimensão tolerada, inerente à liberdade de expressão e à crítica, sendo que, quando há necessidade de se ponderar se a liberdade de expressão ofende o direito ao bom nome de uma pessoa, legitimando a reprovação da ordem jurídica, tal juízo deve ser aferido em concreto (ponderando-se os bens em conflito) e não em abstrato, conforme parece ter ocorrido na situação em análise."
E prossegue: "De acordo com a jurisprudência consultada, os deveres de respeito e correção não significam subserviência, cega e incondicionada, aos superiores hierárquicos, nem supressão do direito de defesa, "nem, muito menos, do direito de falar" ou de ter de acatar, em silêncio, "reprimendas verbais" (...)."
Para concluir: "Se o arguido vier a ser sancionado por não ter tido um comportamento correto, salvo melhor entendimento, o ato decisório enfermará de erro nos pressupostos de facto e de direito, na medida em que as expressões utilizadas, atrás transcritas, têm implícita uma crítica, mas não traduzem uma inequívoca falta de respeito, podendo concluir-se que se enquadram dentro dos limites da liberdade e da razoabilidade inerentes ao exercício do direito de liberdade de expressão. (...) Não resulta indiciada a prática de uma infração disciplinar suscetível de ser imputada ao arguido, entendida como uma ação ou omissão consubstanciada na violação dos deveres de correção ou de urbanidade, revestida de ilicitude ou censurabilidade."
A reação da ERC a estas considerações da IGAS surge pela pena do mesmo advogado que instruiu o processo disciplinar. O qual, no mencionado recurso para o ministro da Saúde, reputa a decisão da IGAS (arquivar) de "a todos os níveis insólita", e o procedimento adotado de "incompreensível", por ter a IGAS entendido que pode revogar decisões da ERC, sem sequer "ouvir previamente a ERC" nem a notificar.
E certifica que a IGAS, "em respeito da independência constitucionalmente consagrada da ERC, tem de se conformar com a sanção disciplinar aplicada por esta, cabendo-lhe aplicar a sanção disciplinar que seja decidida por esta", recordando "o óbvio: a IGAS não faz parte do poder judicial, não lhe cabendo por isso julgar da validade de atos praticados por outras entidades que não estão sujeitas à sua hierarquia e tutela."
Este recurso para a tutela da IGAS recusa também a obrigatoriedade de que o instrutor do processo disciplinar movido pela ERC a Rui Mouta fosse um jurista da administração pública. Argumenta sublinhando que na ERC não havia, a não ser no Conselho Regulador ou direção executiva - entre os "ofendidos", portanto - quem fosse, como a Lei de Trabalho em Funções Públicas exige para a instrução de um processo disciplinar, hierarquicamente superior ao arguido. E que, ao contrário do que prescreve a IGAS, não se poderia nomear um instrutor de outro órgão ou serviço da administração pública, porque os reguladores gozam de "autonomia de gestão e independência orgânica, funcional e técnica."
Refere ainda o facto de o contrato da sociedade de advogados a que pertence o instrutor ter sido celebrado em novembro de 2021, apresentando como objeto, entre outros, a "instrução de processos disciplinares", demonstrando que a ERC decidiu que esse tipo de procedimento deveria ser externalizado (de facto, consultando o Portal Base, constata-se que pelo menos desde 2017 a ERC tem vindo a contratar anualmente sociedades de advogados com o mesmo objetivo).
Como não poderia deixar de ser, o recurso da ERC refuta a inexistência de infração disciplinar, repetindo as qualificações efetuadas no relatório final do processo quanto aos excertos "culpados" da carta de Rui Mouta, e explicando em que reside o prejuízo da conduta: "O que deve mover a atuação do funcionário público é a prossecução efetiva do interesse público visado pela entidade ou órgão para o qual trabalha, sendo que essa prossecução se deverá concretizar mediante uma "atuação correta" perante os utentes, os colegas de trabalho e os superiores hierárquicos. Assim, sobre o funcionário enquanto tal impende não só um dever de civilidade comum a todos, mas ainda o dever de ser "correto", porque é através dío seu agir que se objetiva a prossecução do dito interesse público e se burila o bom ou mau ambiente indispensável à mesma. O "bem jurídico" prosseguido com a imposição deste dever geral é, pois, o do prestígio, credibilidade, eficácia, e, no fundo, imagem do serviço público para cuja prestação contribui."
A queixa de assédio moral apresentada por Rui Mouta à Alta Autoridade para as Condições de Trabalho, e que tem como objeto Sebastião Póvoas, terá sido entretanto redirigida para a Inspeção Geral de Finanças, uma vez que será esta entidade a deter a competência para a avaliar. Até agora não haverá, de acordo com o que o DN conseguiu saber, decisão sobre a mesma.
Numa carta enviada já em dezembro para o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, com conhecimento para os grupos parlamentares, o jurista queixa-se de estar envolvido numa "luta desigual", na qual "o Conselho Regulador da ERC não hesita em utilizar sem parcimónia os poderosos meios que tem à sua disposição, e que são do Estado, prosseguindo razões mesquinhas, já depois de me ter afastado da ERC". E chama a atenção para as "contundentes críticas" apresentadas pela Comissão de Trabalhadores junto dos deputados: "Convém que seja ouvida com atenção. A ERC é de facto um navio a naufragar e falta-lhe comando e esperança. (...)."
Estas críticas internas, efetuadas, como já referido, pela Comissão de Trabalhadores mas também por comunicações anónimas endereçadas ao parlamento, foram invocadas pelos deputados aquando da última audição do Conselho Regulador na comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, a 6 de dezembro.
A isso respondeu o presidente da ERC: "Não nos chegou nenhuma queixa, ou pelo menos não temos da parte de trabalhadores da ERC queixas em relação ao que se passa na instituição. (...) Não há, nem nós notamos, qualquer descontentamento ou acrimónia dos trabalhadores em relação ao Conselho Regulador. Os trabalhadores da ERC são dos mais privilegiados face a outros, em termos salariais e outros."
Quanto à existência de processos disciplinares, Sebastião Póvoas esclareceu que "só houve dois em cinco anos", e que "um foi arquivado, outro está em recurso para os tribunais." (Se à data em que o CR foi ao parlamento o processo instaurado a Rui Mouta fora arquivado pela IGAS, a ERC, como demonstrado, não se conformou com esse arquivamento. Porém o recurso, ao contrário do que afirmou o seu presidente, não foi dirigido aos tribunais. Quanto ao outro processo, que, soube o DN, tem como arguido mais um funcionário do departamento jurídico, foi instaurado no final de setembro, depois de este depor como testemunha de defesa no processo de Rui Mouta, e não há notícia de que tenha sido arquivado).
Também confrontado pelos deputados com as queixas apresentadas em relação a uma alegada coarctação da liberdade de expressão dos funcionários, o juiz conselheiro assegurou que "os relatos de que este Conselho fez limitações à liberdade de expressão interna não correspondem minimamente à verdade. Nós nunca limitámos a liberdade de expressão." Advertindo, porém, de seguida: "É evidente, todos sabemos, que quer dentro quer fora da ERC, quer em qualquer instituição, que a liberdade de expressão não é ilimitada, existem limites."
Precisamente sobre quais devem, e não devem, ser os limites da liberdade da expressão é tema em relação ao qual a ERC mais vezes se tem pronunciado.
Numa deliberação de 25 de maio - o dia em que o CR decidiu cessar a comissão de serviço de Rui Mouta, já após determinar a instauração do respetivo processo disciplinar -, sobre uma queixa contra o semanário regional O Mirante, o conselho regulador citava, sobre esses limites e o deverem ser encarados com grande liberalidade, o constitucionalista Jónatas Machado: "A necessidade de criação de uma esfera de discurso público aberta e pluralista e o valor das liberdades da comunicação para a autodeterminação democrática da comunidade e para o controlo público do funcionamento das instituições apontam no sentido da proteção constitucional de um número significativo de afirmações que tenham por externalidade negativa a agressão ao bom nome, à reputação ou à privacidade dos titulares dos cargos públicos. (...) A denúncia pública da prepotência, do preconceito, da corrupção, do clientelismo, da incompetência, e das demais patologias do sistema político é praticamente impossível sem que daí resultem danos colaterais em matéria de bom nome e reputação."
No mesmo sentido, invocava-se de seguida a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a qual segundo o CR da ERC "vem entendendo que a exigência de escrutínio das atividades públicas ou que decorram na esfera do debate público determina que o direito de crítica se possa exercer de forma robusta, beneficiando de maior tolerância no confronto com outros bens jurídico-pessoais. E não apenas relativamente a assuntos em que estejam envolvidos políticos, mas em qualquer situação em que seja necessário discutir matéria de interesse público."
De acordo com o TEDH, continua a deliberação, "as restrições à liberdade de emitir opiniões ou juízos de valor, desde que estes assentem numa base factual mínima (e sejam emitidos no âmbito de discussão de um assunto de interesse geral), mesmo que particularmente contundentes e incisivos, devem ser estritamente escrutinadas e não devem prevalecer senão em caso de clamorosa violação da dignidade ."
Ainda em auxílio do reconhecimento do direito à crítica "contundente", e até "demolidora", e da correspondente necessidade de que as restrições à sua liberdade (leia-se punições) sejam "estritamente escrutinadas", o CR da ERC socorria-se, na mesma deliberação, da opinião do penalista Costa Andrade, ex-presidente do Tribunal Constitucional. Este, de acordo com a citação escolhida, considera que o exercício desse direito legitima "o recurso às expressões mais agressivas e virulentas, mais carregadas (mesmo desproporcionadas) de ironia e com efeitos mais demolidores sobre a obra ou prestação em apreço."