Era uma vez nas Américas
Numa primeira foto,Omara Portuondo passeia-se pelo calçadão – momento mais carioca impossível. A sua voz, cubana no ritmo e na história, canta a “yemayá”, a mesma que no Brasil recebe o título de rainha das águas. Maria Bethânia responde, quando canta Menino Grande e transforma a bossa nova em elegante jazz vocal. No título do disco estão apenas os nomes das suas vozes. Isto é a história das Américas como herança de África, ponte entre a Bahia e Havana e a conclusão que já conhecíamos: são maiores as semelhanças que a distância. A admiração era mútua mesmo antes de 2005, quando se cruzaram pela primeira vez. A amizade construída resultou em convite para viagem até ao estúdio. Cruza-se o violão e o cajón, o samba e a rumba. O português é castelhano, que perde também toda o seu sotaque feito de calor. Por aqui cantam-se as referências de quem é protagonista. Entre ambas, multiplicamse as décadas de história escrita à luz da música. Ibrahim Ferrer e Vinicius, Gonzaguinha e Pedro Luis Ferrer, candomblé e orixás. Dizem que as duas são filhas do mesmo negro, que em viagem fez música com cada mulher que conheceu. A teoria parece válida quando o chorinho de Marambaia se mostra meio irmão do mambo e da salsa. Tudo num encontro que não é inovador e cuja naturalidade não é aqui revelada como segredo recém-descoberto. Os nomes em questão trazem-lhe maior mediatismo. Faltará alguma poeira à música nascida dos campos e do trabalho, suor aos ritmos que já nasceram dolentes e balançados. Mas uma certeza é segura: à pergunta “será o pandeiro brasileiro ou cubano?” a resposta será sempre irrelevante.
3/5
'Omara Portuondo e Maria Bethânia'
OMARA PORTUONDO E MARIA BETHÂNIA
BISCOITO FINO | IPLAY