"Era importante ter a nova ERC a decidir o negócio da Altice, mas vai ter de ser esta a fazê-lo"
A comunicação social portuguesa vive uma crise que se faz sentir noutros pontos do mundo, é uma crise sobretudo financeira, mas é igualmente uma crise de credibilidade, multiplicaram-se as fontes de informação e é difícil distinguir o que é verdade do que não o é, as redes sociais ganharam uma importância que era impensável há poucos anos. Havendo uma crise no jornalismo, há uma crise na democracia?
É muito importante o papel da comunicação social para a sociedade democrática. Não há sociedade democrática, e nós vemos isso em inúmeras sociedades que não vou especificar porque como Presidente da República não posso, nem devo criar problemas diplomáticos nas relações com outros países, mas é evidente que não há democracia se não houver uma comunicação social livre e forte. Não há democracia e, por isso, eu tenho um princípio básico no meu entendimento das funções presidenciais, que é nunca me queixar da comunicação social. Há comunicação social de que se pode gostar ou gostar menos, que se pode considerar subjetivamente melhor ou pior, mas isso são juízos pessoais e quem exerce funções políticas em democracia nunca deve, nem nos melhores momentos nem nos piores, transformar a comunicação social em bode expiatório ou em razão justificativa daquilo que corre melhor e, sobretudo, pior, na sua atividade.
Dito isto, daquilo que me recordo e não vai lá assim tanto tempo, foi há um ano e meio, da minha vivência na comunicação social e disse-o no Congresso de Jornalistas, a comunicação social portuguesa tem, de facto, constrangimentos muito fortes. Tem um mercado muito pequeno; a expansão para mercados de expressão portuguesa é complicada, é muito complicada, sob a forma de parcerias ou sob outras formas existe, mas não é fácil em termos económicos e financeiros. Em segundo lugar, a crise teve consequências em muitos casos devastadoras na nossa comunicação social. Penso na comunicação local e regional, penso na escrita como na radiofónica, penso depois na comunicação de expressão nacional, porque se traduz obviamente em cortes de receitas e, portanto, num contexto muito limitativo para o exercício da sua atividade, e esse é um problema real para a comunicação social no nosso país e isso não é bom para a democracia.
Sendo a primeira crise dos media uma crise financeira, sendo o setor maioritariamente privado, faz sentido falar em subsídios públicos para salvar este setor, como já se discute?
Sabe, eu estava a pensar na imprensa local e regional que, a certa altura teve o porte pago, isto é, tratava-se de órgãos de informação que tinham tantas dificuldades para sobreviverem, mas apesar de tudo eram tão importantes para a vivência local, quando se fala em descentralização, para a relação com comunidades emigrantes, que não me repugnava, e eu defendi muito, esse tipo de apoios que foi sendo progressivamente reduzido.
É evidente que o grande risco das subvenções públicas, pensando nos órgãos de comunicação social privados, é o garantir que não há dependências. Porque a comunicação social deve ser forte, e para ser forte tem de ser livre e independente, e nada pior do que dependências públicas ou dependências também, no caso de órgãos privados em que não esteja acautelada a salvaguarda do estatuto editorial. Eu sempre dei muita importância ao estatuto editorial dos órgãos de comunicação social, porque é ele que defende e quanto mais claro for para os leitores, ou para os ouvintes, ou para os espectadores, melhor. É ele que defende os fazedores da informação, no sentido dos jornalistas, relativamente a poderes que condicionem a sua liberdade. Agora, é verdade o que diz, o mundo mudou muito e as redes sociais e a internet introduziram características tais, nomeadamente a concentração do poder económico e financeiro a nível mundial nos grupos que intervêm na comunicação social, porque intervêm mesmo! Durante um tempo entendia-se que esses grandes grupos não eram grupos de comunicação social, mas na medida em que acabam por utilizar a informação em tempo real da comunicação social sem pagamento, sem pagarem nada, passam a ser órgãos de comunicação social. Muitos dos que conhecem as notícias, conhecem-nas pela internet, através desses grupos, e isso é um problema complicado. Há países onde se criaram impostos ou outras formas de compensação financeira. Eu sei, ou penso saber, que essa questão está nas preocupações do Governo, o estudo dessa situação, porque é muito penalizadora para grupos de comunicação social propriamente ditos, que têm o trabalho de chegar à informação e depois ela é sonegada num ápice, num instante, por quem a divulga e não teve despesa nenhuma. Portanto, este é um problema muito complicado em que a globalização alterou muito as regras do jogo.
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No meio desta crise há uma operadora de comunicações, a Altice, a oferecer quatrocentos e quarenta milhões de euros pela Media Capital que tem na TVI o seu principal ativo e um primeiro-ministro a criticar abertamente a empresa que está compradora. O Sr. Presidente da República recebeu, aqui em Belém, delegações da Altice, da Prisa, da Media Capital, envolvidas no negócio, mais o presidente e o presidente executivo da empresa que são os principais interessados entre os concorrentes no que possa acontecer. Temos aqui pano para mangas. É um tema melindroso para o poder político?
No meu entendimento enquanto Presidente da República não é nada melindroso. Pediram para ser recebidos e eu recebo todas aquelas entidades que são representativas de realidades importantes na vida nacional. Recebo-as todas logo que possa. Às vezes demoro mais tempo a receber umas do que outras e, ali, pediram-me as duas, se me têm pedido outros grupos seriam recebidos imediatamente. E não é melindroso por isto: porque há regras e reguladores e, portanto, havendo regras e reguladores do que se trata é os reguladores aplicando as regras, no sentido amplo de princípios e de regras concretas, verificarem se esses princípios e essas regras são ou não são respeitados. Portanto, o Presidente da República não pode nem deve interferir na atividade dos reguladores, que são vários porque o tipo de regulação é diferente, num caso é uma regulação mais, digamos assim, da garantia do pluralismo da comunicação social, outra é mais da concorrência em termos económico-financeiros. A posição é muito simples e nada melindrosa, é aguardar a decisão de quem deve decidir.
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Mas pode avaliar as condições em que cada uma das entidades reguladoras funciona. No caso da ERC, cujo parecer é vinculativo, esta entidade reguladora está a funcionar no limite do aceitável, no sentido em que só tem três elementos no Conselho e o mandato já terminou a 9 de novembro. Faz sentido que seja este Conselho a tomar esta decisão ou era importante que os partidos chegassem a acordo para ser um Conselho com os cinco elementos?
Primeiro ponto, era obviamente importante que tivesse havido acordo entre os partidos há muito tempo, porque esta solução é uma solução transitória desde novembro do ano passado, salvo erro. Eu sei que se costuma dizer que em Portugal o transitório é definitivo e o definitivo é transitório, mas temos de admitir que estamos quase em princípios de agosto e é um transitório muito definitivo. Não é bom. Não é bom que não tenha havido acordo até agora entre partidos, neste caso como noutros casos de designações. Segundo ponto, pelos vistos também não foi possível, mesmo neste contexto, haver a superação deste bloqueio. Era bom, era mau, que fosse superado o bloqueio, porque é evidente que se se trata de um órgão que tem normalmente cinco titulares, é preferível ter cinco a ter três. Também é certo, admito, que no momento em que se tratava de tomar uma decisão concreta era porventura o momento mais difícil para escolher pessoas, mesmo para os próprios, porque iam entrar e a primeira decisão que iam tomar iria ser uma decisão com nomes; ou seja, datada, identificada, portanto, embora por princípio eu entendesse que é sempre bom ter o funcionamento normal dos órgãos com a designação dos titulares sem estes períodos transitórios, não terá de ser nestas circunstâncias que a entidade tem de deliberar.
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