"Era bom que houvesse maior fiscalização sobre o INEM"
O INEM abriu um inquérito ao atraso de 1h15 no socorro a uma idosa em Campolide, que faleceu. Pode ajudar a encontrar soluções?
O inquérito não resolve o problema, a questão da espera não é circunstancial, repete-se. Já avisámos em reuniões no Instituto Nacional de Emergência Médica [INEM] que os tempos para a chegada de um socorro estão muito elevados. Em alguns casos, quase que por rotina, ambulâncias da Área Metropolitana de Lisboa [AML] são solicitadas a prestar socorro em Setúbal. Portanto, 1h15/1h30 de espera passa-se quase todos os dias, o que é inaceitável e inadmissível.
Está a dizer que esperar mais de uma hora por socorro é normal?
Estou a dizer que acontece quase todos os dias e é ainda mais inaceitável porque há vários meses que se constatou essa situação e não houve alteração tanto de procedimentos como dos meios. E pensamos que há também relação com o que se passa nos hospitais. À medida que as urgências fecham na margem Sul, os doentes sobrecarregam as urgências de Lisboa, os tempos de deslocação das ambulâncias aumentam, bem como os da triagem e libertação das macas. A situação tem-se vindo a agravar e não é muito relevante que se faça um inquérito. Vão justificar que não havia disponibilidade de ambulâncias, e fica tudo na mesma.
Como é que se resolvem todos estes constrangimentos?
Propusemos ao INEM que houvesse um plano de contingência, não pode continuar a contratualizar com os bombeiros 359 postos de emergência médica [o que dá cerca de 400 ambulâncias]. Se a situação é excecional tem que contratualizar mais. Não contratualiza e tem de andar a ver qual é o corpo de bombeiros com disponibilidade. Quando chegamos aos locais, somos confrontados com a demora e não quem está nos serviços do CODU [Centro de Orientação de Doentes Urgentes].
Em Campolide foi um serviço prestado pelos bombeiros.
Sim. Como o INEM não tem capacidade de resposta, está sempre a solicitar. Na AML, como sabemos que a situação está muito má, propusemos que a Liga obtivesse três ou quatro viaturas a título excecional e nós, com os corpos de bombeiros, encontrávamos tripulações para elas operarem nos períodos de maior pressão.
Poderão não ter as ambulâncias.
As ambulâncias existem, é só ir ao parque do INEM, no Lumiar, tem 10 ou 12 ambulâncias paradas.
Não acontece no Porto?
No Porto também acontece, no Algarve acontece no verão.
Quanto tempo depois um pedido de socorro chega aos bombeiros?
O sistema não sabe antecipadamente quem tem ou não ambulâncias, está a viver ao contrário do que deveria ser feito. Esgota as ambulâncias e depois telefona à procura de quem tem ambulância. São minutos e minutos à espera.
Quinze a 20 minutos depois?
Depende das situações mas pode ocorrer, não temos um sistema que possa responder à pergunta. O ideal é poder ter a certeza que há ambulâncias suficientes para a resposta dos pedidos na AML e não há. Se o número de pedidos é superior aos meios, faço uma triagem, classifico em "urgente", "muito urgente" e "emergente". Satisfaço as emergências, algumas vezes, faço os "muito urgentes " e os urgentes não consigo, mas há picos em que nem consigo os emergentes.
É mais um problema de má gestão do que falta de meios?
Não sei se é má gestão ou incapacidade. O que sei é que os bombeiros têm capacidade com os seus meios de assegurar toda a emergência do país. A questão é que ninguém financia os bombeiros, era preciso que financiasse, como acontecia antes de existir o INEM. Ainda por cima, as receitas do INEM não vêm do Estado, vêm dos seguros, são 123 milhões de euros por ano. Não faltam ambulâncias aos bombeiros, o problema é dotar essas ambulâncias com técnicos de emergência e tripulantes durante o dia, muitos são voluntários.
Quantas ambulâncias o INEM deveria contratualizar?
Em vez de ter 400 ambulâncias contratualizadas com os bombeiros, se calhar, devia ter 800. E os bombeiros podem comprar ambulâncias, o Estado tem é que financiar em contratos-programa.
Mas ainda há dias falava no mau estado das vossas ambulâncias.
São as ambulâncias do INEM que nos estão entregues, o que é diferente. São ambulâncias com 13/14 anos e há uma com 21, com 6000 quilómetros e uma com 1,1 milhão.
A situação agravou-se nos últimos anos?
Agravou-se com a covid e também tem muito a ver com a forma como as urgências hospitalares trabalham. Levo um doente, se a urgência hospitalar funcionar bem, 15 ou 20 minutos depois tenho a minha ambulância disponível, se não funcionar, é muito mais tempo. Ainda no outro dia na Guarda houve ambulâncias de bombeiros que esperaram seis horas por uma maca. Não teve grande reflexo no transporte de doentes porque o número de chamadas é muito inferior, mas se acontecer em Lisboa é um caos.
Quantas ambulâncias tem o conjunto dos corpos de bombeiros?
Varia, mas temos duas mil e tal ambulâncias, não é um problema de falta de ambulâncias, pode é haver falta de tripulações. Durante o dia, como é evidente, os corpos de bombeiros voluntários têm cinco a trabalhar, não tem oito, o que já é capaz de pôr a funcionar à noite.
Como é que deveria organizar-se o sistema de emergência médica?
Não pode viver só de andar a telefonar para os bombeiros para obter uma ambulância. Fizemos uma outra proposta e que também foi chumbada. O INEM têm quatro motas na AML e propusemos que, nesta altura do ano, pudessem ser colocadas ao serviço de emergência para as situações em que não há uma ambulância disponível de imediato, pelo menos, há um meio diferenciado que pode ajudar a estabilizar a vítima enquanto não chega a ambulância.
Qual foi a justificação para não discutirem as vossas propostas?
Não sei.
Tem a ver com capelinhas, com poder?
Provavelmente, o INEM é hoje uma entidade quase que incontrolável, é uma entidade reguladora, fiscalizadora, prestadora de serviços e detentora do CODU, é uma entidade muito poderosa. Se calhar, era bom que houvesse uma maior fiscalização sobre o próprio INEM.
No fundo, o que a Liga propõe é substituir-se ao INEM?
O que a Liga está a dizer é que os bombeiros portugueses têm capacidade para responder com as suas ambulâncias ao socorro pré-hospitalar. Não podem é contratualizar cerca de 400 ambulâncias e depois utilizarem 800. Precisamos de nos juntar à mesa e discutir porque as situações não são iguais.
Então, propõe uma reforma do INEM?
É urgente reformar o sistema de pré-urgência hospitalar.
ceuneves@dn.pt