Episódio 35. Tweet ao espelho: "Estás despedido!"
Lisboa, 2 de setembro, 15.10 A investigação do The New York Times levara a um primeiro espanto. Os sete hectares de que a ONU havia sido desapossada por intervenção militar às ordens do presidente Trump estavam, duas semanas depois, a ser reivindicados por uma empresa dos... filhos de Trump. O mais discreto deles, Eric, convocara uma conferência de imprensa para confirmar que a empresa I & I - Real Estate Company tinha intenção de construir apartamentos de luxo no local. Eric foi de uma grande clareza: o empreendimento seria "amazing!", "great!", "incredible!", "wow!", "tremendous!", "fantastic!" e "wonderful!". A empresa era, como se ouvia, mesmo de Trump!
Um jornalista perguntou por que era uma empresa da família Trump a fazer o negócio. Eric mostrou-se surpreendido e respondeu: "Pela razão mais natural, os terrenos são da família Trump." E saiu da conferência de imprensa. The New York Times enviou então um pedido formal à I & I para que lhe fossem fornecidos documentos comprovativos da propriedade.
A empresa não se esquivou: entregou uma fotocópia, apresentada como sendo dos serviços de registo de propriedade de Nova Iorque. Na verdade, era um dos documentos que haviam sido entregues, em Hamburgo, no dia final da cimeira dos G20, em julho, a Ivanka Trump, com estatuto de daughter-in-chief, por um enviado do presidente francês Emmanuel Macron.
Estes factos foram omitidos ao jornal, mas, dado o estatuto dos intervenientes, fotocópia mais fidedigna era impossível. Ela dizia que os terrenos tinham sido comprados, em 1917, por Friedrich Trump, o avô do presidente e bisavô dos sócios-gerentes da imobiliária. A empresa também apresentou atestados dos registos camarários, de como não tinha havido mudança de dono nos últimos cem anos.
O jornal considerou que havia motivo para prosseguir a investigação - embora sem pressas. Os documentos pareciam fidedignos mas, afinal, uma coisa era Donald Trump fazer propaganda a bonés vendidos pelo seu comité de apoio, como na ida ao Texas, assolado por ciclone, quando não tirou da cabeça o boné branco "USA - Trump". Nas bombas de gasolina, bonés iguais custavam 5 dólares; no comité, 40. Mas como negar a um ganancioso a sua crença natural? Outra coisa, porém, era um presidente ter feito uma intervenção militar com graves consequências internacionais - expulsar a ONU - para... vender apartamentos de luxo...
Tudo teria corrido como previsto, se não se tivesse intrometido uma outra ambição, que não a de Donald Trump. Em novembro, Nova Iorque iria eleger os 51 vereadores da cidade. Um dos candidatos era Keith Powers, do District 4, exatamente a zona de Nova Iorque onde tinha estado a sede das Nações Unidas. Ele sabia o que valia o endorsement poderoso do The New York Times: ter o apoio oficial do jornal, era a certeza de se sentar no City Council da Câmara de Nova Iorque.
Powers conhecia também, como todos os jovens políticos, a história do antigo tribunal de Nova Iorque, em frente à Câmara, a que chamam Tribunal Tweed - do desonroso nome William "Boss" Tweed, o mais poderoso político da cidade a meados do século XIX. Tweed - não confundir com tweet que só entrará na política século e meio depois - era caricaturado sem cara, substituída por um saco com o símbolo do dólar. O tribunal, que ele fizera construir, custou 60 vezes mais do que o previsto. E foi The New York Times que moveu a campanha, "o homem que roubou Nova Iorque", e o levou à prisão. "Boss" Tweed morreu atrás das grades, em 1878.
O candidato a vereador percebeu a importância da investigação de The New York Times sobre o que acontecera aos seus ex-vizinhos da ONU. Entendeu que a história de os terrenos pertencerem aos Trump estava mal contada. Powers teve acesso aos registos de Nova Iorque e confirmou que a fotocópia do velho Friedrich Trump era falsa. E que a versão que fora dada como boa durante décadas - o construtor William Zeckendorf ter comprado os terrenos e vendido, por 8,5 milhões, aos Rockefeller que os ofereceram, em 1946, à ONU - continuava a ser boa.
Na edição de 2 de setembro, The New York Times, entre tantos que concorriam aos 51 lugares do City Council, fez o endorsement a só cinco candidatos - um, era Keith Powers, do District 4. A notícia vinha na primeira página, mas a metade superior da capa era reservada ao escândalo Trump. "Documentos Falsos Levaram Trump a Invadir a ONU", dizia a manchete.
Tal como Al Capone, o assassino que só foi para Alcatraz por fugir aos impostos, também o mais perigoso presidente que a América já teve acabou por ser apanhado pelo vício que nunca escondera, a ganância.
Nessa tarde, sozinho na penthouse da Trump Tower, Donald Trump olhou-se ao espelho de ouro velho e tweetou: "Estás despedido!" O ególatra falou para si, como sempre.
FIM
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