Episódio 33. The New York Times: Trump, The End?
Lisboa, 1 de setembro, 13:10 Cristóvão Loison e Pedro Leite de Noronha combinaram almoço. Começava setembro e havia o balanço de um verão extraordinário para fazer. "Lembras-te? A Jane Birkin passou por nós na embaixada e transformou-nos em Blake & Mortimer, prontos para aventuras...", disse o luso-francês. "E isso foi agora, ela já com os 70 dobrados. Vê lá se nos tivéssemos cruzado com ela ainda cândida e imoral...", suspirou o embaixador. O amigo não concordava: "Apanhar-nos jovens seria um desperdício, faríamos de Tintin os dois, porque não caberia a nenhum de nós ser capitão Haddock, somos uns ectoplasmas de diplomatas..."
No almoço discutiriam as aventuras de julho e agosto e como, nesse caso, as personagens Blake & Mortimer já se aplicavam - não os desenhara Edgar P. Jacobs em A Marca Amarela? Lá está, assunto para discussão: a marca amarela seria do cabelo de Trump ou de Boris Johnson? Qualquer deles fora vítima da rede conspirativa em que os dois amigos participaram.
Noronha insistiu que fossem à Primavera do Jerónimo, no Bairro Alto. Lá estaria, sob a ventoinha da parede, a foto de Josephine Baker, tirada no dia em que ela se encontrara com Lucien Loison, o pai de Cristóvão, para lhe passar documentos da Resistência francesa. "Está cheio, não dá para falar", achou o conselheiro da Embaixada de França. Que não, os clientes seriam turistas, não entenderiam a conversa. E sempre poderiam falar como dura uma foto 70 anos exposta num restaurante e como um herói se esquece... Ajudaria a relativizar o que tinham feito, ou pensavam ter feito, nas últimas semanas.
O Primavera estava cheio, mas de belgas, americanos, franceses... Podiam falar e comer pataniscas com arroz de feijão. Noronha e Loison recapitularam os feitos comuns e tinham, cada um, revelações. Noronha puxou pelos galões e sugeriu, sem dar pormenores, que na mansidão da Coreia do Norte, depois do míssil sobre o Japão, havia influência portuguesa.
"A antiguidade é um posto e no Extremo Oriente temos essa vantagem, acrescida de outra, sermos pequenos", disse o embaixador. O primeiro tratado entre os Estados Unidos e a Tailândia foi escrito na língua franca que ambos os países entendiam, o português. Loison concordou: "E essa do pequeno não é menor, passe o pleonasmo: nenhuma superpotência teria conseguido que o mar do Japão passasse a ser mar da Coreia do Leste e o mar Amarelo, mar da Coreia do Oeste." O Japão, para um, e a China, para outro, só aceitaram porque a proposta veio de um amador, ou melhor, como a história mostrava, de um amante da região, e não de um player com interesses na zona.
"Estava-se no impasse perfeito, como chamam às tempestades trágicas", disse Noronha. A Coreia do Sul não quer absorver um país miserável e a China não quer um aliado americano, e bases americanas, na sua fronteira... O que estava, era arrepiante; o que poderia vir, ninguém queria.
A proposta portuguesa, mudar os nomes dos oceanos, era panaceia evidente mas foi bom que alguém a lembrasse: não curava mas dava ilusão. E quando o impasse era tão grande, a ilusão não era para deitar fora. Havia ainda uma justiça na proposta: quem cedeu - o Japão e a China - era poderoso. Só os fortes o podem fazer sem rancor futuro... Loison concordou: "Desde a guerra da Coreia, nos anos 1950, é a primeira vez que as duas, a do Norte e a do Sul, estão de acordo num ponto. Ganharam dois mares!"
A resolução da guerra do Butão sob o efeito milagreiro de Cristiano Ronaldo foi outro dos episódios abordados. Ele foi aos Himalaias, mostrou as pernas e conseguiu o que a Marilyn Monroe não, com a mesma arte, quando foi ter com os soldados da guerra da Coreia. Cristiano Ronaldo não subiu ao palco de um só lado, mostrou-se aos chineses e aos indianos. A guerra era feita a um palmo de distância, mas cada um do seu lado, acantonados. Mais uma vez a ação portuguesa cuidou do essencial, fez que ninguém perdesse a face - concluíram os dois diplomatas.
Do lado francês havia menos que contar. "O teu patrão está agora mais preocupado, suponho. As sondagens estão mazinhas...", disse Noronha. "Eu creio que Macron contava com um escândalo Trump para a rentrée... Que o americano se demitisse, sei lá, e então, com a reeleição da Merkel, haveria o papel fortalecido da Europa no mundo..." Os dois conspiradores tinham chegado ao queijo de Nisa, um, e à torta de laranja, outro, levemente desalentados sobre o essencial. O dos tweets indignos continuava impune.
Uma agitação na mesa do casal americano sentado sob a foto de Josephine Baker surpreendeu a pequena sala. Cada um agarrado ao telemóvel, olhavam à volta eufóricos. Noronha recebeu também um alerta: "Manchete The New York Times: Trump, The End?" Mostrou o ecrã ao amigo e ambos deram um grito como se fossem dois capitães Haddock.
Continua amanhã. Acompanhe aqui os episódios do Folhetim de Verão