Episódio 32. CR7 faz parar a guerra no Butão
Porto, 31 de agosto, 20.30 No fim da primeira parte do jogo contra as Ilhas Faroe, Cristiano Ronaldo pareceu anormalmente cansado. Mas estava-o porque, quando o primeiro-ministro indiano Narendra Modi foi encontrar-se, no junho anterior, com Donald Trump, parou a meio da viagem. Modi fez, então, uma visita oficial a Portugal para assinar vários acordos, consequência de um encontro anterior entre ele e António Costa, na Índia, em janeiro.
Em maio, o académico Yi Fuxian, da universidade americana Wisconsin-Madison, garantiu que a Índia atingira 1,32 mil milhões de habitantes e já era o país mais populoso do mundo, ultrapassando a China, com 1,29 mil milhões. Resumindo, então, o noticiário: quando o líder do país mais populoso do mundo se encontrou com o líder do país mais poderoso do mundo, deteve-se no pequeno Portugal para falar com o primeiro-ministro local, com quem estivera seis meses antes. Estranho. E é por isso que os jornais precisam de folhetins para lhes explicar o mundo.
Modi foi convidado a almoçar nas Necessidades, mas antes quis uma conversa a dois com aquele que ele, na Índia, apresentara como "filho da diáspora". Nas Necessidades, Modi ofereceu-lhe um cigarro fino e escuro, um bidi goês, como o pai do primeiro-ministro português, Orlando Costa, fumava e que deixara saudades olfativas, que são das mais aferradas, ao filho. O diálogo fez-se com uma intimidade rara nos encontros de estadistas.
Narendra Modi tinha uma confissão a fazer, um desgosto: "28, só temos 28!... É certo que a Eslováquia também só tem 28 medalhas olímpicas, mas tem cinco milhões de habitantes...". Costa consolou-o: "Portugal tem o dobro da população eslovaca e tem menos medalhas, 24." Mas Modi estava inconsolável: "A Índia é o país mais populoso do mundo. Temos o per capita mais baixo de medalhas olímpicas!"
António Costa deitou bálsamo: "Não é essa a noção que os portugueses têm dos indianos." E contou que ele gostava de passear aos domingos pela Alameda - " é uma grande praça relvada" - e ficar lá a ver as partidas de críquete e de hóquei em campo entre jovens indianos... "Hóquei! Críquete! Um já nos deu quase metade das medalhas, mas já não dá mais e o outro nem olímpico é...", disse Modi. "Trocava todas as equipas de críquete e de hóquei pelo vosso Cristiano Ronaldo!" E foram almoçar, com a visita aparentemente consolada pelo desabafo.
Antes de se sentar à mesa, Costa pediu a Brandão Rodrigues, o ministro que tutela o Desporto, parcerias com as escolas de futebol. Antes da sobremesa, o ministro fez-lhe chegar um bilhete. "Entre interesse dos chineses e da Madonna as escolas de futebol são como a bolha imobiliária de Lisboa, a procura é imensa. Mas há sempre oferta, Benfica, Sporting e, atenção, o Porto também está interessado..."
Serviu para dez minutos de conversa vaga com o convidado. Mas, no fim, Costa deu linha para Modi continuar fisgado: "Sobre o Cristiano, ainda havemos de voltar a falar, em breve." E Narendra Modi partiu para os EUA, país que só de ouro tinha 1022 medalhas olímpicas. Eis um assunto que o primeiro-ministro indiano não falaria com Trump.
Em agosto, o mundo, distraído, não assistiu - com que interesse, quando há um Kim Jong-un e um Donald Trump? - a um confronto militar numa fronteira perdida. No Butão, remoto país triangulando, ali, com a China e a Índia, num planalto de rochas pintalgadas de neve, apesar do verão, porque começam os Himalaias, a China construía uma estrada no lugar de Doklam. A tropa da Índia parou-a.
Fez-se uma trincheira insólita: quépis verdes e estrela, chineses, e penachos indianos puseram-se a um palmo do nariz. Nem falavam, olhavam-se direito nos olhos. Um comunicado das Forças Armadas indianas disse que estavam "em modo de nem guerra nem paz". Pequim chamou "intolerável" à agressão indiana. Começara o Doklam stand-off, que não era comédia de stand-up.
Dias depois, mil kms a oeste, em Labakh, soldados dos dois lados atiraram-se pedras. Eram só pedras, mas era uma escalada. No sábado, 26, António Costa falou com os embaixadores da China e da Índia em Lisboa. Duas horas depois, ambos responderam-lhe, acordando. Na segunda, 28, um helicóptero vindo de Timbu, capital do Butão, pousou em Doklam.
Uma vintena de soldados indianos e chineses continuavam o stand-off e só tinham olhos para o inimigo, com o bafo em cima. Foram os únicos a não ver chegar o Cristiano Ronaldo, dando toques numa bola. Os gritos dos colegas fizeram os combatentes desviar os olhares e passaram também estes a deitar quépis e penachos ao ar. Os comandantes de ambos os lados aceitaram acabar o Doklam stand-off. Ninguém perdera a face. Pequim e Nova Deli declararam o fim do conflito. E CR7 pôde fazer a fatigante viagem de regresso. Esperava-o um jogo mais fácil, contra as Ilhas Faroe.
Continua amanhã. Acompanhe aqui os episódios do Folhetim de Verão