Episódio 2. Donald Trump engole o isco
Aeroporto de Hamburgo, 8 de julho, 18.35. O helicóptero militar pousou na pista, rodou até ao nariz do Air Force One e o casal presidencial saiu. Donald e Melania Trump, ela de óculos escuros, foram acolhidos por uma capitã, também de óculos escuros, que os conduziu ao avião presidencial. Um pequeno grupo perfilava-se sob a escada da frente, para as despedidas. Para trás ficava mais uma reunião internacional, o G20.
Dois minutos depois, subiu Ivanka Trump, já a escada traseira se enchia de outros membros da delegação americana. Ela, ainda com o vestido cor-de-rosa que vestia nessa manhã quando o presidente francês a abordara num intervalo das reuniões. Ivanka não deu a mão ao marido, não podia: segurava o dossiê que lhe entregaram antes de subir para o Air Force One.
Acompanhado por um segurança americano, um jovem de óculos e barba rala, camisa aberta, mais parecia um nerd de Silicon Valley, apresentara-se como o prometido enviado de Macron e estendeu-lhe o dossiê. Era Ismaël Emelien, 30 anos, o homem que no Eliseu tem gabinete contíguo ao do secretário-geral do palácio e, com exceção deste último, o mais próximo do presidente. O semanário L'Express chamara a Emelien de "estratego e caixa de ideias, demasiadas vezes iconoclastas".
Quando Ivanka se sentou, tinha várias horas de viagem pela frente, de volta a casa, e tempo para ler os documentos. Abriu o envelope e viu cerca de 20 páginas, incluindo meia dúzia de fotocópias que lhe pareceram de documentos antigos. Decidiu adiantar serviço antes de falar com o pai. Sabia que a altura era má: nesse mesmo dia, The New York Times publicara o primeiro artigo sobre o encontro, no verão antes das eleições, de uma advogada russa, talvez agente do Kremlin, com o seu irmão Don Jr. e também com o seu marido. Ela olhou de soslaio para Jared, que já dormia, e inquietou-se: será que a breve conversa que ela tivera com Macron também podia ser vista como conluio com o inimigo?
Num relance, recordou: fora o presidente francês que viera ter com ela em plena sala de reunião do G20 e tinham falado só de negócios... Sossegou. Só não entendera bem a alusão de Macron àquele português, Gutierrez: por que ficaria este contente no caso de a sede da ONU sair de Nova Iorque? E porque haveria a sede de ir para outro lado?
O avião sobrevoava o Atlântico, já todos dormiam e Ivanka deitou-se a ler as misteriosas folhas. Meia hora depois, sorria. Ela era uma Trump, da raça dos que sabem quando têm um grande negócio nas mãos! E era natural que tenha sido a ela, e não a um dos irmãos, que a sorte viera bater à porta: afinal, foi a sua bisavó Elizabeth Trump que lançou a família no ramo imobiliário e construiu os caboucos para outros voos.
Nova Iorque, 9 de julho, 13.00.Ivanka deixou o seu apartamento no Upper East Side e surpreendeu o motorista ao sentar-se ao seu lado. Disse para ele ir descendo pela Second Avenue, mandou virar na rua 40 e, de novo, subir devagar pela First Avenue. Irritou-se quando a avenida entrou num túnel mas logo depois aparecia o prédio da ONU desenhado por Oscar Niemeyer. E a vista sobre a ilha Roosevelt e, mais à frente, a ponte para Queens... Sobre o rio, que belo empreendimento imobiliário aquilo daria! A cabecinha da jovem Trump fazia contas que atingiam a estratosfera. "Agora vamos para a Trump Tower", ordenou.
Ivanka beijou o pai e exibiu o punhado de folhas. Falou do encontro do dia anterior com o presidente francês e tentou traduzir o sentido do prometedor dossiê. "Foi o seu amigo Macron que me deu isto...", disse. Depois, a primeira das filhas permitiu-se uma deambulação... Aquela zona de Manhattan onde estava a sede da ONU era há um século um lugar malcheiroso de matadouros e esconderijo de gangues, chamava-se Baía da Tartaruga. O pai fez com a mão sinal de adiante...
Com dinheiro feito na corrida do ouro em Klondike - quimera dura que Chaplin ilustrou comendo uma bota, sugando os atacadores e chupando os pregos (isto, Ivanka não referiu) -, o imigrante alemão Friedrich Trump comprou o terreno por tuta e meia ("o contrato está nesta fotocópia", mostrou Ivanka). Mas o bisavô ainda não sabia o que fazer com aquela margem do East River quando morreu da pneumónica, em 1918. A viúva, Elizabeth, logo apoiada pelo filho Fred, o pai do futuro 45.º presidente da América, entrou no negócio da construção civil - casas modestas do outro lado do rio, nos bairros pobres de Queens e Brooklyn. Os Trumps ainda não se tinham dado conta da âncora dourada que já possuíam em Manhattan...
Inclinado, cotovelos apoiados nas pernas abertas, na ostentação da sua penthouse na Trump Tower, o pai Donald irritou-se: "E que me interessam negócios passados?" Ivanka estendeu-lhe as folhas: "Não são passados, papá. Os terrenos ainda são nossos!"
Continua amanhã. Acompanhe aqui os episódios do Folhetim de Verão