Episódio 16. A ONU a olhar a Ponte Vasco da Gama

Episódio 16. Era um terreno devoluto e de capim seco. De inspirador, só o céu azul como um capacete onusino. Não tivessem sido as últimas horas tão dramáticas e aquela solução saberia a pouco. Mas, para já, a Assembleia Geral da ONU iria para o pavilhão Meo Arena
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Lisboa, 15 de agosto, 11.00. Nem um dia passara da ocupação da sede das Nações Unidas por ordem do presidente Trump e já Marcelo oferecia uma solução. Com a Declaração de Cacela, ele aceitava oficialmente fazer de Lisboa a nova capital mundial da diplomacia. O mundo suspirou de alívio. No dia seguinte, António Costa levou o corpo diplomático às futuras instalações da ONU.

Dois pullmans esperavam diplomatas e jornalistas na Estação do Oriente. Era feriado, a viagem demorou cinco minutos. Os autocarros e carros oficiais pararam no Passeio Heróis do Mar, entre a foz do rio Trancão e a Ponte Vasco da Gama. Um colégio de jesuítas à esquerda, e um terreno vasto e vago, com o Tejo em frente... As evocações históricas eram muitas, o mar no passeio, o nome da ponte, os jesuítas portugueses de Pequim, Goa, Japão e Bahia...

O grupo, em meia-lua, voltou-se para Costa, que começou por ser grato: "Há dias, o meu amigo Jean-Michel Casa foi como que bruxo", disse, e acenou ao embaixador francês, que sorriu. "No 14 de Julho, na sua bela embaixada, ele virou-se para o Tejo e disse: o governo pacífico do nosso planeta bebeu neste rio", lembrou Costa. "Pois bem, as naus partiram daqui e é no Tejo que o mundo se vai reencontrar." E rematou: "Meus senhores, eis onde vai ser a nova sede da ONU."

Era um terreno devoluto e algum capim seco. De facto inspirador, só o céu estava azul como um capacete onusino. Não tivessem sido as últimas horas tão dramáticas e aquela solução seria pouco empolgante. Mas o mundo ainda não acordara do pasmo e aquela era uma solução. E desenrascada num repente! À falta de prédios, ainda, os portugueses tiravam o máximo partido do embrulho da narrativa.

"O senhor embaixador viu cedo, mas não foi o primeiro a adivinhar este destino para Lisboa...", lembrou Costa. Já se distribuía um folheto aos convidados. Um título seco, "Lisboa, sede da ONU", um mapa estilizado do norte do Parque das Nações e um texto breve, precedido por uma caixa enquadrada: "Já em 1945..." Ainda as Nações Unidas não tinham decidido fixar a sua sede em Nova Iorque, nem ainda Portugal era membro, Lisboa sondara os seus embaixadores para auscultarem a simpatia pela hipótese de albergar a então nova organização internacional. Vantagens: a Europa era central, Portugal não era grande potência e tinha-se espalhado pelo mundo...

A sede acabou por ir para Nova Iorque, e Portugal, vetado pela União Soviética, só seria membro dez anos mais tarde. Mas um telegrama, de 8 de dezembro de 1945, do ministro plenipotenciário em Paris e diretor do DN, Augusto de Castro, tinha relatado o entusiasmo de Vincent Auriol, um antecessor de Macron, pela ideia que só ia nascer como facto, 72 anos depois, na margem sul do Trancão.

Ao lado de Costa estava uma figura que já havia motivado sussurros, não tanto entre os diplomatas mas sobretudo nos jornalistas. Costa desfez as dúvidas: "Apresento-vos o comissário nacional para a instalação da nova sede da ONU", disse o primeiro-ministro, entregando a palavra a Rui Rio.

O convite para o cargo não foi só pelos méritos práticos do antigo presidente da Câmara do Porto. Rio era um eventual substituto de Passos Coelho. Como o governo parecia ir aguentar-se até 2019, ano de eleições europeias e legislativas, interessava ao PS ter ainda nessa altura Passos como adversário. Amarrando Rui Rio a um desígnio nacional, que iria demorar dois ou três anos em construções, Costa livrava-se de um adversário mais forte do que Passos. E Rio aceitara porque o túnel onde o PSD se enfiara ainda era longo.

O novo comissário escondeu aos convidados que herdara um projeto em curso. Para os terrenos do Trancão esteve para ir a Agência Europeia de Medicamentos, quando Lisboa era candidata. Como a candidatura passou para o Porto, readaptou-se o projeto para a ONU, com muito maior ambição. "O projeto foi entregue aos dois Prémio Pritzker portugueses", anunciou Rio. E disse que Siza Vieira e Souto Moura, os nobel da arquitetura, quiseram trabalhar com um arquiteto brasileiro, que o Brasil indicaria, homenageando Oscar Niemeyer, cujo Palácio de Vidro em Nova Iorque estava em risco de ser derrubado.

Enfim, o Tejo não ficava a dever nada ao East River. António Costa voltou às informações: algumas infraestruturas do vizinho Parque das Nações iam ser readaptadas. O antigo Pavilhão Atlântico receberia as próximas sessões da Assembleia Geral da ONU: "A cúpula de traves de madeira, como se fosse o cavername invertido duma nau quinhentista, nada mais adequado!" Os proprietários do Meo Arena estavam entusiasmados com o projeto nacional.

Ao fim da visita, Costa voltou a falar. "Como eu disse ontem, temos os mastros das bandeiras dos países membros da ONU: já lá estão erguidos frente ao Meo Arena!" Nem sabia no que se metia...

Continua amanhã. Acompanhe aqui os episódios do Folhetim de Verão

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