Hamburgo, 8 de julho, 10.45. Pelas ruas da cidade os anticapitalistas andavam a partir montras e no centro de convenções Messe und Congress os americanos faziam finca-pé em não ligar ao aquecimento global. A chanceler Angela Merkel fez um discurso morno e a reunião dos mais poderosos líderes do mundo - cimeira do G20, 2017 - a ficar para a história, só poderia ser por um escândalo ingénuo. Ivanka Trump, a filha em chefe na hierarquia da importante família, abandonara a sua cadeira de assessora para se sentar no lugar do pai. Por duas vezes o presidente americano saiu para reuniões bilaterais e em ambas, toda lampeira, ela foi sentar-se entre Merkel, o presidente chinês Xi Jinping, a britânica May e o turco Erdogan..Quer o estado levezinho do nosso jornalismo que os episódios fúteis sejam privilegiados. Não viria daí mal ao mundo se, por causa deles, não se escondessem factos importantes. Ora, por ironia, no segundo e último dia da cimeira, Ivanka, de vestido cor-de-rosa, protagonizou um episódio que, revelando muito do mundo atual, terá consequências inesperadas e talvez extraordinárias - e tudo com Portugal no eixo dos acontecimentos. Falaram disso os nossos jornalistas? Nada, como era de esperar..Naquela manhã de sábado, numa pausa para café, enquanto outros líderes aproveitaram para ir às janelas do Messe und Congress espreitar os tumultos na cidade, o francês Emmanuel Macron avançou para Ivanka Trump. Apressou o passo para se adiantar a um tipo com ar de mordomo em filme de terror, o brasileiro Michel Temer, tocou levemente no cotovelo da americana e levou-a para um lugar discreto da sala. O encontro imediato entre a novidade que o francês ainda era e a força da marca Trump criou uma bolha a envolver o casal que não permitiu intromissão de ninguém. Apesar do intenso ambiente geopolítico vivido na sala, a maioria dos presentes pôs um canto do olho ao serviço da curiosidade..Que queria o francês da jovem loira? Tivesse ela mais 30 anos, como a patroa do FMI Christine Lagarde, e muitos imaginariam que tinha pintado um clima em plena cimeira do G20. Por seu lado, da herdeira americana o interesse romântico também era pequeno. Os 39 anos de Macron contam como juventude para a presidência de um grande país, mas não para uma Ivanka que gosta de agarrar a mão e arrastar o marido nos atos oficiais (e nessas ocasiões Jared Kushner ainda parece mais imberbe). Não, não foi a atração física que levou os dois para um canto da sala..E, de facto, os propósitos de Macron foram políticos, de alta política. "Sabe que os terrenos de Nova Iorque entre as ruas 42 e 48, na margem do East River, eram do seu avô, Frederick Trump?", lançou ele. Macron soube logo que falava com a pessoa certa porque viu nos olhos avelã de Ivanka ligar-se o Google Maps que todos os empreiteiros têm incorporado: "Isso é ao pé das Nações Unidas...", disse ela. "Não é ao pé, são mesmo as Nações Unidas! O Palácio de Vidro, os edifícios do Conselho de Segurança, da Assembleia Geral, tudo..." Ele era fino negociante mas pouco vivido em outras matérias, pois confundira o castanho profundo dos olhos dela com o tom avelã das lentes de contacto..A Trump que ali estava não o era por casamento mas por genes, e quis saber mais: o avô foi dono daquilo tudo em Nova Iorque, mais de dez acres? "Exatamente 17 acres", emendou Macron, que também sabia fazer contas em americano e falava de cerca de sete hectares, outros tantos campos de futebol ou soccer. "E não é foi, diga é, porque ele foi desapossado ilegalmente pelos Rockefellers", informou Macron. E ela: "Aquilo é mesmo nosso? O papá pode fazer o que quiser?!!" A cabeça do francês moveu-se num sim, solene..Aquele não era o local para uma conversa destas. "Alguém vai entregar-lhe ainda hoje um dossiê", prometeu Macron à inexperiente assessora. E sugeriu: "Será um bom pretexto para vocês se verem livres das Nações Unidas em plena Nova Iorque..." Ia despedir-se, mas Ivanka, talvez para mostrar que entendia o alcance político da bomba, apontou com o queixo: "Aquele é que não vai gostar..." Macron olhou e voltou ao seu sorriso encantador: "O António Guterres?! Olhe que não, ele vai gostar e muito...".A caminho da mesa principal, o presidente francês ainda parou frente a Theresa May. Com ambos, o french lover e a pernalta magra, também os adeptos de histórias cor-de-rosa tardias puderam imaginar coisas. Mas, de novo, Macron foi político, e só: "Chère Theresa, eu vou ajudá-la a sair dessa bagunça do brexit", disse, sabendo como surpreendem certas palavras breves ditas de passagem. E ainda acrescentou: "Aliás, já estou a fazê-lo." Quando a inglesa voltou a sentar-se ao lado de Erdogan, o seu olhar de corça assustada ainda ia agradecido.