Epilepsia
Tinha 22 anos quando teve a primeira crise de epilepsia. Era, portanto, muito jovem. Nelson Ruão explica como aprendeu a lidar com uma doença crónica. «Como poderá imaginar, o diagnóstico poderia ter sido problemático ao ponto de afectar o meu futuro», diz-nos. Na altura, era estudante universitário e o seu dia-a-dia mudara por completo. À sua rotina diária acrescentou algumas limitações. Teve de ganhar novos hábitos de sono, começar a tomar medicamentos diariamente e a evitar bebidas alcoólicas. Passado o susto inicial, explica que «o controlo das crises surgiu rapidamente e, hoje em dia, posso dizer que tenho uma vida igual a todas as pessoas que vivem sem esta patologia».
O diagnóstico de epilepsia traz consigo uma condição neurológica que obriga a uma série de mudanças na pessoa. «Começamos a ter regras, limitações e cuidados redobrados. Surgem, necessariamente, mudanças nos hábitos de vida que nem todos conseguem aceitar da melhor forma. O segredo passa por reaprender a viver com epilepsia e com as alterações que a condição comporta.» Actualmente, Nelson Ruão tem um dia-a-dia exactamente igual ao da maioria das pessoas. Exerce uma profissão, pratica exercício físico sem qualquer limitação – natação, ginásio e até faz karting – e convive diariamente com familiares e amigos.
O medo
Nelson Ruão afirma que, como qualquer doente epiléptico, tem receio das recorrências da doença. «É uma questão transversal, pois todos receamos que, a qualquer momento, as crises possam voltar. Aqueles que têm as crises controladas, mas essencialmente aqueles que não as têm. São estados de ansiedade permanentes.» No entanto, explica que a actuação individual segundo as indicações médicas, no que respeita à toma de medicação, aos hábitos de sono e a outros cuidados específicos, ajudam a atenuar os receios. «Não devemos viver com essa preocupação constante. Nós não somos a epilepsia! A epilepsia é que faz parte de nós», acrescenta. Os familiares e amigos de Nelson lidam naturalmente com a sua doença. «Sempre tive total apoio, compreensão e atenção de todos os que me rodeiam.»
Apesar da sua situação, considera que há certos comportamentos que, se não forem contextualizados, podem levar a interpretações erradas por parte dos outros. «Muitas pessoas, nesta condição, apesar de estarem controladas a nível das crises, apresentam estados de isolamento afectivo e são afastadas do seu meio profissional», lamenta. Para a melhoria da qualidade de vida «são necessários esforços consideráveis para educar a sociedade em geral, bem como os profissionais e os próprios doentes».
Apoio associativo
Nelson Ruão é o actual presidente da EPI – APFAPE (Associação Portuguesa de Familiares, Amigos e Pessoas com Epilepsia). O principal objectivo desta associação é representar e apoiar as mais de cinquenta mil pessoas com epilepsia em Portugal, através da promoção da saúde e do bem-estar e da defesa dos seus direitos. «Acreditamos que o bem-estar da pessoa com epilepsia vai além do controlo das suas crises, passa pela sua integração na sociedade, pelo cumprimento do direito ao emprego, pelo apoio às necessidades diárias específicas. Tudo isto é complementar do trabalho médico», defende.
A EPI – APFAPE luta contra a discriminação e o estigma ainda associados a esta doença. A informação ao doente e à comunidade sobre os vários tipos de epilepsia permite «uma intervenção e uma vivência adaptativa mais eficazes», explica Sofia Neves, psicóloga da associação. Para além disso, é facilitado o conhecimento sobre o funcionamento do organismo em resposta aos possíveis efeitos secundários da medicação. A EPI também proporciona a possibilidade de as pessoas conviverem com outras que estão a viver a mesma situação, o que permite um efeito normalizador da doença – «Afinal não sou só eu!» – e a partilha de estratégias para agir no dia-a-dia.
Diferenças
Quando falamos de epilepsia referimos «uma afecção do sistema nervoso que se caracteriza pela repetição espontânea de crises epilépticas que resultam de uma alteração súbita e autolimitada no tempo do funcionamento das células cerebrais – os neurónios – e que se traduzem por alterações súbitas do comportamento», explica a neurologista Paula Breia. Não sendo uma entidade única – por isso se fala de epilepsias –, «a sua manifestação depende da região cerebral afectada, podendo, por exemplo, surgir movimentos convulsivos dos membros ou apenas interrupção breve da consciência».
Existem inúmeras causas para as epilepsias, «desde as que ocorrem em pessoas sem qualquer outra doença neurológica – consideradas como geneticamente determinadas –, às que são consequentes de lesões cerebrais, por exemplo após acidente vascular cerebral, encefalite, tumor, traumatismo craniano grave...», acrescenta a neurologista.
Alerta
As crises epilépticas têm uma grande diversidade de características, dependendo da área do córtex cerebral envolvida, mas há alguns sinais que podem ser comuns. «As crises são geralmente súbitas, inesperadas, de curta duração e sempre semelhantes entre si. No mesmo indivíduo, tendem a ter um início e uma sequência semelhantes. Por exemplo, na infância e na adolescência, são frequentes as crises de interrupção súbita da consciência que dura segundos, que se fazem acompanhar de pestanejo, de pequenas ausências ou de movimentos bruscos dos membros ao acordar», explica Paula Breia.
Outras crises têm origem mais precisa num foco, «responsável, por exemplo, pelo controlo motor de um membro superior e da face, traduzindo-se por movimentos rítmicos naquelas áreas, mantendo-se o indivíduo geralmente consciente. Noutros casos, a pessoa sente uma sensação estranha “no estômago” que geralmente define mal, lhe ascende “à boca” ou “à cabeça”, seguida de perda da consciência. Fica com um olhar estranho e distante, não responde ou tem um discurso desadequado, movimentos de mastigação ou de deglutição, mexe as mãos ou vagueia sem destino. Geralmente, recupera rapidamente, mas apenas recorda o início dos sintomas, denominado de aura epiléptica», acrescenta a neurologista. Para se afirmar que uma pessoa tem epilepsia, «é obrigatório o aparecimento de duas ou mais crises, com características que permitam perceber que a alteração é de origem cerebral», esclarece Paula Breia.
Dos fármacos à cirurgia
«Idealmente os doentes seriam tratados só com um tipo de medicamento, mas por vezes é necessária a associação de um ou mais fármacos. Na maioria das epilepsias, após um período de dois a três anos sem crises, é legítimo considerar-se a redução progressiva até à suspensão da medicação, sob vigilância médica», explica a neurologista Paula Breia. Em situações em que a medicação, mesmo que tomada periodicamente, não controla a doença, pode haver indicação para recorrer à cirurgia, mas os doentes devem ser encaminhados para um centro de cirurgia de epilepsia (funcionam nos hospitais de Santa Maria e Egas Moniz, em Lisboa; Hospital de Santo António, no Porto; e Hospitais da Universidade de Coimbra, em parceria com o Hospital Pediátrico de Coimbra). «A cirurgia permite que a maioria dos doentes fiquem sem crises ou com muito menos crises, mesmo que mantenham parcialmente a medicação. Assim, mesmo que não fiquem curados, estarão francamente melhores.» A neurologista adianta que «existe ainda outro tipo de tratamento, o estimulador do nervo vago, indicado em algumas formas de epilepsias medicamente refractárias e não candidatas a cirurgia». A assinalar que, durante os últimos anos, «têm surgido no mercado novos fármacos anticonvulsivantes com impacte significativo no tratamento de diversos tipos de crises e de epilepsias», afirma Paula Breia.
Antes, durante e depois...
Perante uma crise deve…
> Proteger a pessoa
> Deitá-la de lado
> Limpar-lhe a saliva
> Aliviar as roupas apertadas
> Não entrar em pânico
> Tranquilizar as pessoas que a rodeiam
> Acompanhá-la até recuperar.
Não deve...
> Tentar abrir-lhe a boca ou introduzir-lhe objectos
> Agarrar a pessoa.
Depois da crise, deve...
> Deixar a pessoa dormir
> Avisar os familiares
> Descrever a crise.