Entre ruínas milenares e de uma sociedade

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As sociedades em ocaso ou em fim de ciclo, além de toneladas de lixo cultural, podem também produzir surpreendentes obras de arte. A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino (estreia-se hoje), que espelha uma Itália em estado de alienação e à deriva, parte de uma Europa cada vez mais atarantada e de um Ocidente em queda livre, é uma dessas obras que ao mesmo tempo mantém acesa a chama de um cinema preocupado com a realidade e a condição coletiva italiana. Quer se debruce sobre o quotidiano dos cidadãos mais anónimos, quer se movimente nos círculos mais exclusivos da sua elite. Sendo (também) um filme sobre Roma, A Grande Beleza é mais do que isso, é um filme sobre um mundo que está a perder todo o sentido e a desabar no meio de uma girândola de mundanidades vácuas, de um desfile de ridículos pseudoartísticos e anticulturais, de uma galopante esterilidade espiritual, de um arrefecimento global dos valores e das relações humanas. Jep (Toni Servillo) é, ao mesmo tempo, um ator aplicado e um observador lúcido deste mundo, corporizado por uma sociedade romana cujas elites Fellini já radiografou em profundidade há mais de meio século em A Doce Vida. Tarefa que Sorrentino retoma e prolonga em A Grande Beleza, óbvio devedor daquela obra-prima, mas não um seu clone, mostrando que, se alguma coisa mudou desde então, foi, como disse numa entrevista, "o acentuar da vulgaridade, tal como da perda do sentido de pudore, da vergonha, ou modéstia ou reserva". Assim como Jep permanece essencialmente decente no meio da dissolução geral em que participa, também A Grande Beleza é um filme moral no seu retrato de um mundo que soçobrou à vulgaridade sem nexo nem pudore, tendo como cenário uma Roma milenar e imperturbável.

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