Entre o presidente eterno e a ex-estrela pop
Bobi Wine, estrela da pop tornado candidato presidencial no Uganda, estava a dar uma entrevista a uma rádio queniana quando interrompeu a conversa para informar que havia militares a entrar na sua casa. "Estou a ver soldados a espancar os meus seguranças", exclamou, antes de desligar a chamada. O episódio resume bem o clima de tensão e violência que se viveu na terça-feira no Uganda, a dois dias de umas presidenciais em que Yoweri Museveni procura um sexto mandato consecutivo.
No poder desde 1986 - é um dos mais longevos líderes do mundo, mesmo assim perdendo por muito para Paul Biya, que lidera os Camarões desde 1975, ou para Teodoro Obiang, no poder desde 1979 na Guiné Equatorial -, Museveni, de 76 anos, enfrenta dez adversários no escrutínio desta quinta-feira. É elogiado pelos apoiantes pela relativa paz e prosperidade que tem conseguido garantir, bem como pelas políticas de saúde que implementou e que permitiram ao Uganda controlar primeiro a sida e agora a covid-19.
Perante a pandemia do novo coronavírus, Museveni impôs medidas restritivas duras, fechando escolas e empresas, além de ter imposto o uso da máscara logo em maio. Até agora, e segundo dados da Universidade Johns Hopkins, o Uganda registou 300 mortes e 40 mil infeções. Mas os críticos acusam-no se perpetuar no poder, não tendo designado qualquer sucessor e assinado, em 2017, uma lei que abolia o limite de idade para ser presidente, até então de 75 anos - o que lhe permite candidatar-se agora a mais um mandato.
Entre os rivais que o desafiam, Bobi Wine ganhou lugar de destaque. Robert Kyagulanyi Ssentamu, de seu nome "civil", tem sido apelidado de "presidente do gueto". O músico de 38 anos tornou-se uma superestrela na África Oriental nos anos 2000, antes de se reconverter em político e ser eleito deputado em 2017. Apoiado por muitos jovens (e o Uganda é o segundo país com a média de idades mais baixa do mundo: 15,7 anos) que pouco se interessavam pela política, Bobi Wine é um duro crítico de Museveni, que no passado acusou de "ter medo das pessoas".
Longe de menosprezar a ameaça de Bobi Wine, o presidente acusa-o de ser um dos agentes que "não gostam da estabilidade e independência do Uganda". E garante que o opositor está a mobilizar os jovens para a violência. Wine, que tem apelado à "revolução", usando a hashtag #WeAreRemovingADictator (#EstamosaAfastarUmDitador), já foi detido várias vezes desde que se envolveu na política.
Na terça-feira, várias figuras da oposição denunciaram a "violência sem precedentes" durante a campanha eleitoral. Num discurso em Kampala, pouco depois da invasão da sua casa pelos militares, Wine insistiu que a sua campanha não é violenta, instou os seus apoiantes a não se deixarem intimidar pelas forças de segurança e exortou-os a permanecerem a menos de cem metros das mesas de voto quando exercerem o direito de voto, em vez de regressarem a casa, como exige a comissão eleitoral, numa tentativa de impedirem eventuais fraudes eleitorais.