Entre as malhas da justiça e o sonho de 2024: que poder tem Trump?

Ex-presidente voltou a Washington, 18 meses após ter deixado a Casa Branca. Pode lançar a candidatura este verão, para recuperar a narrativa face às revelações sobre a invasão do Capitólio.
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No primeiro regresso a Washington desde que deixou a Casa Branca, Donald Trump traçou um retrato apocalíptico do estado do país governado pelos democratas, reiterou as acusações infundadas de que as presidenciais de 2020 foram "roubadas" e deixou no ar uma eventual candidatura em 2024. Mas que poder tem o ex-presidente entre os republicanos, a pouco mais de três meses das eleições intercalares, numa altura em que o Departamento de Justiça estará a investigar as suas ações durante a invasão ao Capitólio depois das revelações saídas da comissão de inquérito no Congresso?

"Sempre disse que concorri na primeira vez e ganhei e concorri uma segunda vez e fiz ainda muito melhor", disse Trump num discurso de 90 minutos para os seus apoiantes do America First Policy Institute. "Podemos ter que o fazer novamente. Temos que endireitar o nosso país", acrescentou na terça-feira à noite, prometendo mais detalhes nas próximas semanas ou meses. Vários media norte-americanos já indicaram que ele estará a planear lançar a sua candidatura às presidenciais de 2024 ainda este verão, numa tentativa de tentar recuperar a narrativa diante das revelações sobre o seu papel na violência de 6 de janeiro de 2021.

O Washington Post e o New York Times já revelaram que o Departamento de Justiça estará a focar a sua investigação no ex-presidente, procurando entender o seu envolvimento nos esforços para reverter os resultados eleitorais - depois das críticas de que nada foi feito durante um ano. Os registos telefónicos de membros da antiga administração já estarão a ser estudados desde abril, tendo havido também um apelo às testemunhas. O procurador-geral, Merrick Garland, não excluiu poder vir a acusar Trump, numa entrevista à NBC News.

Esta investigação é independente do inquérito no Congresso e que, ao longo de oito sessões públicas, procurou mostrar como Trump quis reverter o resultado eleitoral e foi o responsável pela invasão do Capitólio - um ato planeado e não improvisado pelos seus apoiantes. "É possível confiar novamente num presidente que está disposto a fazer as escolhas que Trump fez durante a violência de 6 de janeiro para uma posição de autoridade?", questionou a congressista republicana Liz Cheney, vice-presidente da comissão cujos trabalhos continuam em setembro.

Uma sondagem New York Times/Sienna College, de 12 de julho, revelou que se as primárias republicanas fossem agora, Trump receberia 49% das intenções de voto - o principal rival é o atual governador da Florida, Ron DeSantis, que surge com 25%. O ex-vice-presidente Mike Pence, que discursou em Washington no mesmo dia que Trump (do qual se tem vindo a distanciar), surge apenas com 6%. "Algumas pessoas podem escolher focar-se no passado, mas as eleições são sobre o futuro", disse diante de estudantes conservadores.

Outros estudos de opinião revelam que o apoio ao ex-presidente tem vindo a cair, em especial depois das audiências da comissão de inquérito no Congresso. Um estudo da Reuters/Ipsos mostrou que 40% dos republicanos acreditam que Trump é parcialmente culpado pela violência a 6 de janeiro de 2021 - antes das audiências, a percentagem era de 33%. Outra pesquisa, da Quinnipiac, revelou, este mês, que 69% dos republicanos querem que Trump volte a ser candidato - em outubro eram 78%.

O legado do ex-presidente é complicado para os republicanos, divididos em relação ao peso que Trump ainda deve ter dentro do partido. As eleições intercalares de novembro, onde se renova toda a Câmara dos Representantes e um terço do Senado, serão um teste - sendo que em jogo estão também cargos "menores", mas importantes para a corrida de 2024, nomeadamente os secretário de estado estaduais (que têm um papel de supervisão do processo eleitoral). Nas primárias para escolher os candidatos, os apoios do ex-presidente ajudaram a catapultar alguns nomes, mas Trump também sofreu derrotas - abrindo a porta aos seus rivais na corrida a 2024.

Para os democratas, a ideia de enfrentarem os republicanos pró-Trump é vista como mais favorável - podendo levar os independentes ou os eleitores que optariam por não votar a ir às urnas para os travar. De tal forma que, em pelo menos cinco estados, grupos democratas ou liberais têm estado a imiscuir-se na corrida republicana, para garantir que os candidatos mais radicais são os escolhidos para ir a votos em novembro. Mas isso pode ser um risco, numa altura em que o próprio presidente Joe Biden tem uma aprovação de apenas 37% - inferior à de Trump na mesma altura do seu mandato.

susana.f.salvador@dn.pt

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